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Millennials estão cansados da paquera online e prontos para redescobrir vulnerabilidades

Os millennials estão com a necessidade de viver mais fora das telas, o que representa um resgate de pequenos momentos de antes, em ambientes menos controlados

Por Mayra Couto

“Eu amava o flerte online. O frio na barriga de ver que foi visualizado, a expectativa da nova mensagem, às vezes até mais do que ir para o date de fato. Hoje, já não vejo mais tanta graça, não tenho mais paciência, e quase nada de expectativas. Estou cansada”, comenta Beatriz Assis, 27 anos, bibliotecária. A sensação de exaustão da Beatriz não é um sentimento apenas dela, ele também vem afetando outras pessoas, principalmente a geração millennial. Mas por que essa geração que cresceu com o boom da internet e que ditou por muito tempo os caminhos do flerte online agora não vê mais tanta graça nesse tipo de paquera?

Os millennials, são as pessoas nascidas entre as décadas de 80 e 90, que cresceram junto com o boom da internet, sendo a primeira geração hiperconectada, logo as pioneiras em utilizar a internet para se relacionar e paquerar. Mas que também sofreram com fatores históricos que podem afetar sua forma de se relacionar, como explica a professora e neurocientista Rosana Ximenes: “Os millennials foram educados para ter tudo sobre controle, mas como nasceram com a globalização, a instabilidade é muito presente. A crise econômica afetou a carreira, a questão financeira, o adiamento de planos, estão se casando mais tarde, tendo filhos mais tarde. É uma geração que tem dificuldade de se comprometer”.

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Foto: Pexels

Diante deste cenário, a internet acabou facilitando e evitando algumas características comuns das paqueras em outras gerações: “O match só acontece quando ambos curtem o perfil um do outro, e com isso não tem o risco de você ser, por exemplo, abertamente rejeitado. Então, é como se você tivesse um pouco com a paquera ganha. A nossa cultura parece estar sempre focada em se esconder, em procurar a cura mais fácil. Muitas vezes, os sentimentos ruins também precisam ser vividos, seja rejeição, luto por um relacionamento ou um “quase algo”. A própria questão do desejo, da aprovação, e até o relacionamento online promove uma supervalorização do exterior, muitas vezes, deixando de lado as trocas mais profundas. Acaba sendo algo mais superficial no início”, explica Hannah Riff, psicóloga clínica e psicanalista.

É essa superficialidade que também relata o programador Vinicius Carneiro, 31 anos, e que agora começa a incomodar mais: “Então, antes eu gostava do flerte nas redes, de procurar por lá alguém que achasse legal, e começar com as curtidas ou até reagir por algo na DM. Agora eu estou me sentindo mais cansado, sem paciência para fazer esse movimento online”.

Um dos pontos que podem estar deixando essa geração cansada é a rapidez nas relações e trocas online. “Relações online são muito flexíveis. Você não precisa mostrar tanto de quem você é. E aí em termos de relacionamento é tudo muito rápido. A paquera é muito rápida, marca encontros rápidos, às vezes, uma vez só e nunca mais você vai ver essa pessoa. É como se no dia seguinte aquela pessoa nunca tivesse existido pra você. Fica difícil criar vínculos mais íntimos, isso tudo porque na tecnologia é mais fácil do que pessoalmente. Mas os millennials são pessoas jovens que ainda têm a oportunidade de mudarem se reinventarem consigo mesmo e com a tecnologia”, analisa Rosana. 

Internet: de heroína à vilã

Outro “gatilho” que possa estar deixando os millennials cansados pode estar além da paquera, mas a forma como se relaciona com a internet como um todo. Afinal, até pouco tempo eles ditavam as regras e eram pioneiros. Agora veem novas formas de uso e expressões, que nem sempre fazem eles se sentirem encaixados. “Do nada teve um boom de dancinhas no meu feed, e eu sinceramente não consigo me identificar e nem me sentir confortável para fazer isso”, comenta Ana Clara, 29, advogada.

Esse sentimento de não pertencimento também foi ponto de análise da psicanalista Hannah: “Acredito que os millennials estão passando por um processo de adaptação, até com a própria linguagem da internet, proporcionada por esses novos usuários da geração Z. Que trazem sempre novos formatos, como o dos vídeos curtos, novas siglas, novas formas de se relacionar no mundo online, maior exposição e por consequência, maior vulnerabilidade com o olhar do outro. E esse impacto muda a forma como nos relacionamos, nos comunicamos e também como é construída essa identidade”.

O que muitos millennials relatam é de quase não saber direito mais como paquerar longe das telas e de fato trocas de hábitos geracionais foram feitas ao longo dos anos. “A gente consegue observar que redes sociais como Facebook e Instagram substituíram a ligação telefônica, por exemplo; Linkedin virou principal ferramenta de networking; e o Tinder substituiu os bares e as saídas noturnas com amigos. Aí fica o questionamento de quais os riscos de tantas facilidades? É difícil dissociar a internet dos prazeres da vida. Mas também fica a sensação de uma conexão desconectada”, comenta Hannah.

Outro fator que pode estar relacionado a esse cansaço dos millennials com a paquera online, também tem relação com as próprias expectativas sobre a vida e fatores como frustração e comparação. E até a ligação com uma palavra bem famosa na internet “performance”. “Nas redes sociais a gente também precisa falar do papel da imagem, a questão da necessidade de performance, performar o melhor de si. E muitas vezes, tem pessoas doentes por trás dessas personas. O autor Alexandre Coimbra do Amaral fala que performance vem do inglês e revela o desejo de ser reconhecido, visto, aceito. E é muito do que conseguimos identificar hoje na relação com a internet. Performamos perfeição porque acreditamos que só assim seremos amados. Isso em excesso também pode gerar exaustão. No mundo online, com um clique nós podemos sair de uma realidade difícil, dos desafios, de um boleto pra pagar, de conflitos familiares”, explica Hannah”.

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Foto: Pexels

A psicanalista continua: “estando no mundo digital rapidamente acessamos uma imagem bonita, legendas motivadoras, fotos de relacionamentos que aparentam ser perfeitos. E tudo isso tem algo em comum, preencher esse vazio dentro da gente. Preencher para não lembrar como pode ser difícil a vida fora das telas, nossa realidade pode ser desafiadora, mas a gente precisa também aprender a lidar com esses desafios e com essas faltas e trabalhar essa questão da nossa própria frustração”.

Além disso, a rapidez da internet e do próprio capitalismo que sempre afirmou para os millennials que o bem mais precioso era o tempo e que tudo era urgente também pode ter contribuído para essa exaustão. “No capitalismo o tempo é precioso e, às vezes, tão escasso, E estamos sempre tentando otimizar o tempo, a vida. Mas pra onde vai tanta pressa? O que a gente faz com aquilo que demanda tempo para ser construído? Acho que esse é um movimento de uma geração que está cansada, cansada dessa conectividade exacerbada. E, principalmente, no pós pandemia. A pandemia nos direcionou para o online num momento tão delicado e agora pós pandemia trazemos mais indagações e questões sobre essas conexões”, comenta Hannah.

Inclusive alguns autores começam a utilizar o termo burnout para esse momento dos millennials: “Têm autores que chamam de burnout de emoções com redes sociais, as pessoas estão cansadas de ver a mesma coisa. As pessoas podem estar cansadas dessa rotina online, excessos de tela e também da falta e da necessidade de ter um encontro pessoal, olho no olho, olhar, ouvir. Por muito tempo as pessoas buscaram menos isso. Mas ainda não dá para generalizar”, contextualiza Rosana.

Leia também: Apps de paquera vivem decadência

Mas agora que os millennials estão com essa necessidade de viver mais fora das telas é quase que uma volta e resgate de pequenos momentos de antes, em ambientes menos controlados. Provavelmente, agora seja o momento de redescobrir sua espontaneidade: “Lembra quando na infância, as crianças se juntavam até pra fazer nada, pra jogar conversa fora? Isso se perdeu um pouco na vida adulta. As reuniões entre amigos precisam ter sempre um propósito. Com isso, perdemos um pouco a espontaneidade e essa falta de prática no face a face, pode prejudicar na hora de demonstrar emoções, de paquerar e até de ler as emoções do outro”, comenta Hannah.

E para estimular essa espontaneidade talvez seja o momento dessa geração abraçar o tédio, os tempos de espera e de ter mais paciência com o acaso: “Transformar a relação no online mais saudável com menos cobrança. Até a importância de estabelecer limites no mundo online, voltar a se apropriar de ações e espaços físicos. Muitas vezes, acabamos desaprendendo a ficar sozinho com o nosso silêncio, a olhar para rua, para as pessoas, perdeu-se um pouco desse momento de viver as pausas nos períodos de espera em médico. Por exemplo, tem uma fila pra comprar pão, já pega o celular, passa tela para ver o que as outras pessoas estão fazendo. O tempo do próprio flerte acaba sendo perdido um pouco, a capacidade de ir subindo os degraus da conquista”, explica Hannah.

E também o que não dá pra trazer da paquera online para a offline é a busca pela perfeição: “O que as pessoas buscam na paquera? Online a tendência é que sejam cada vez mais supérfluas. Para os millenials que tiveram maior interação com as tecnologias, eles já cresceram com redes sociais, com comparação sobre conquistas. Então, cria o medo de se comprometer, de sofrer, de não parecer vulnerável. As pessoas acham que tem que ser muito perfeito. Isso faz com que as pessoas se sintam infelizes. A terapia e um autoconhecimento é importante até para repensar o que espera em relacionamentos”, explica Rosana.

Para os millennials que estão nessa busca por paquerar e viver mais offline as dicas dos especialistas estão bem ligadas a redução do uso das telas. “Para melhorar, a auto disciplina pode ser uma aliada, estabelecer zonas sem uso de tecnologia, por exemplo, banheiro, cama; ter horários específicos de uso e valorizar os momentos de pausa ao longo do dia”, afirma Hannah. Além disso, vale lembrar de redescobrir o olhar de curiosidade para a vida, observar o seu entorno, logo as pessoas e as paqueras.

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