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Museu da Democracia ganha forma e vira palco de embate ideológico

Desde 2021 que se fala em um possível Museu da Democracia, cujo projeto foi deflagrado online. Hoje, com data de começo das obras, se questiona o real papel do equipamento

Por Mayra Couto

O projeto do Museu da Democracia começou lá em 2021, com uma primeira etapa que é um site expositivo que conta um pouco da história da democracia brasileira e os seus percalços, como o Golpe de 64, e na época vislumbrava uma sede física com o intuito de mostrar fatos e de conscientizar os brasileiros da importância da democracia para a sociedade. Hoje, o museu já tem local e data de início das obras, 2025, em Brasília. Contudo, a polarização política atual questiona, de um lado se é realmente necessário o investimento e do outro a importância do tema. Além disso, se sobressai um alerta sobre a construção e gestão ser federalizada e gerida por órgãos que não tenham influências dos governos.

A construção do Museu da Democracia foi confirmada no início de janeiro pela ministra Margareth Menezes e em declaração a Agência Brasil ela comentou o objetivo do projeto: “Nesse museu, vamos contemplar a história da democracia no Brasil, mas também falar sobre a história da escravidão e a relação com os povos originários. Será um museu histórico, onde queremos que esteja a memória, conectando com outras manifestações democráticas que existem no Brasil. Será um museu onde teremos acolhimento e também refletiremos sobre esses acontecimentos com outros museus”.

Foto: Guilherme Santos

Para a realização do projeto foram destinados R$40 milhões do programa Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que pretende lançar concurso para o projeto arquitetônico e de engenharia do museu. Contudo, um dos principais questionamentos é do real impacto positivo do projeto para a sociedade, como comenta Francisco Queiroz, advogado, pesquisador e diretor da Faculdade de Direito do Recife: “Sempre pensamos em criar uma coisa nova. Seria mais uma estrutura para gastar recursos. Por que não incluir isso em um museu já existente? Para fortalecer a democracia seria mais fácil investir, por exemplo, em programas da TV Cultura. O governo, por exemplo, gasta muito com propaganda. Por que não condiciona que os meios de comunicação possam divulgar esses projetos? A questão é, o futuro museu será em Brasília, na Esplanada dos Ministérios, quantos brasileiros ao longo da sua vida foram a Brasília?”, questiona.

Leia também: A ascensão da polarização afetiva na política

Entretanto, outros especialistas também veem como importante a criação de uma estrutura como essa: “É muito importante que tenhamos equipamentos que possam até criar uma rede de espaço de memória da democracia. Por exemplo, em Pernambuco, temos o Memorial da Democracia de Pernambuco, esse espaço conta a história da luta pela democracia do estado, desde o século 17. Um espaço como o Museu da Democracia pode ser extremamente importante para uma pedagogia de memória para que  através dela, as novas gerações, entendam que a democracia é uma luta diária”, elabora Manoel Moraes, advogado, Titular da Cátedra Unesco/Unicap de Direitos Humanos Dom Helder Câmara e integrante da Comissão da Anistia do Ministério de Direitos Humanos.

“Ter esse material acessível à população, ter também uma ação educativa onde a juventude acesse esses espaços de memórias é bem importante”, continua Moraes. “Para que não seja só um museu contemplativo, mas também com capacitações de educação. Que seja um equipamento que tenha como ponto de partida uma política pública de memória. Um equipamento dinâmico, que traga a concepção moderna de museu, que não seja apenas um equipamento estático.

Apesar de existirem questionamentos sobre a necessidade do investimento e o real poder do equipamento, diante do fato da construção, todos falam sobre a importância de ser um equipamento acessível para todos os brasileiros. Seja diante de programas educativos, em TV aberta, na própria TV Cultura, até que esses espaços tenham também ativações espalhadas por todo o país: “Que essa construção seja dinâmica para que todos se vejam nesse museu. Que utilize no resgate da memória publicações diversas e que ofereça cursos gratuitos. Precisa ser um esforço nacional e federal, uma política pública que talvez integre uma rede de outras ativações no país todo, como tem aqui em Pernambuco, por exemplo. Ou seja, um trabalho em conjunto. A luta pela democracia não é local nem regional, é universal e global”, explica Manoel.

Foto: Fernando Frazão/EBC

Provavelmente, já esperando os questionamentos em torno do projeto, foi lançado um Repositório Digital, trata-se de uma ambiente onde é explicado o “por quê” e “para quê” está sendo feito o museu. E também abre uma conversa com a sociedade para responder um formulário do que espera do Museu. Além disso, o projeto vislumbra irradiar esse museu para outros do país, como afirmou para Agência Brasil a presidenta do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), Fernanda Castro: “Vamos concentrar e irradiar essa ideia de democracia, permeando as ações de todos os museus do país”.

Outra preocupação de ambos os lados em torno da construção é a de possível interferência de diferentes governos na administração das informações do museu: “Que esse museu não tenha nenhum viés partidário e de governo. Que seja um instrumento de estado. A estrutura que ele vai ter, quem estará à frente? Pessoas especialistas em museus, concursadas? Ou pessoas aleatórias chamadas por empresas, que foram colocadas lá? Para que de fato tenham isenção e que sejam fiéis aos fatos. Imagina se o Museu do Louvre, o Museu de História Nacional, por exemplo, fossem parte de uma estrutura política, não teria vida longa porque estaria sempre alternando a cada governo”, comenta Francisco.

O Ibram é um dos órgãos que estão à frente desse projeto e Fernanda comentou um pouco sobre como serão esses próximos passos: “O Ibram está muito focado na participação social. Teremos um grande evento em agosto deste ano, que é o Fórum Nacional de Museus, que será realizado em Fortaleza e, pela primeira vez, não será só para os profissionais de museus, mas vai reunir uma série de instituições culturais, promovendo ações e terá programação para a sociedade. Queremos que a sociedade venha junto com a gente para discutir orçamento e ações [para os museus]”.

Um fato é que o museu será construído e o desafio segue sendo: “como fazer com que a mensagem e os fatos históricos da democracia do país possam chegar a todos os brasileiros?”.

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