Tom Leão
Madonna acabou de passar pelo Brasil, onde fez o último show de sua turnê, ‘Celebration Tour’, na praia de Copacabana, de graça, para milhões de pessoas. Foi, basicamente, o mesmo show que vi em abril, em Miami, tirando alguns detalhes técnicos (é um show todo pensado para arenas fechadas, mas que teve de ser adaptado para a praia, e funcionou).
Nesse meio tempo, falou-se tudo sobre ela. Menos, uma coisa: que, em 1986, o Sonic Youth, com adição de Mike Watt (cantor e guitarrista do Minutemen) e J. Mascis (cantor e guitarrista do Dinosaur Jr), criaram um projeto paralelo em homenagem a Madonna, que foi batizado de Ciccone Youth, o nome de família dela, Madonna Louise Ciccone (que, aliás, tem parentes morando no interior de São Paulo, bom lembrar).
O projeto nasceu de uma tragédia. Após a morte do melhor amigo e companheiro de banda no Minutemen, o baixista D. Boon (num acidente de carro), o vocalista e guitarrista do Minutemen, Mike Watt, caiu em depressão (a banda estava em seu melhor momento, D. Boon era um cara muito bacana). Depois de atravessar da Costa Oeste (onde morava, Los Angeles) para a Leste, com sua namorada, Kira Roessler (que já fez parte do Black Flag, como baixista), que estava indo estudar em Yale, Watt aproveitou a proximidade e foi dar um tempo em Nova York, onde o Sonic Youth estava começando a gravar as sessões do álbum ‘EVOL’ (1986). Inclusive, Watt tocou baixo em duas músicas gravadas nessas sessões (‘In the Kingdom #19’ e ‘Bubblegum’, cover para música de Kim Fowley, lançada apenas em fita cassete). Como parte de um esforço para incentivar Watt a começar a tocar música novamente e sair da depressão, o projeto Ciccone Youth foi concebido. Juntou-se ao time, o vocalista/guitarrista J. Mascis (Dinosaur Jr).
Então, em 1986, um single de 7 polegadas foi lançado nos EUA, sob o nome de Ciccone Youth, com Mike Watt cantando ‘Burning up’, de Madonna, no lado A (como ‘Burnin´up’). A canção foi gravada ainda na Califórnia, sem a participação do Sonic Youth. Mike Watt tocou todos os instrumentos, exceto a parte da guitarra principal, que foi completada por Greg Ginn, do Black Flag. Já o lado AA (não lado B), consistia em duas canções do Sonic Youth gravadas durante as sessões de ‘EVOL’, “Tough Titty Rap” e um cover de ‘Into the groove’, de Madonna, que foi intitulado “Into the Groove(y)”. Todas as três canções foram creditadas a Ciccone Youth. A gravadora Blast First (uma das principais alternativas dos 80s) lançaria ‘Into the groove(y)’ no mesmo ano na Europa, como um single de 12 polegadas, com “Burnin’ Up” de Mike Watt como lado B. “Into the Groove(y)” vendeu 8.000 cópias no Reino Unido, porque começou a tocar nos clubes e acabou fazendo um certo sucesso.
Até hoje, eu tenho este compacto, em CD, cuja capa traz o detalhe de uma foto xerocada de Madonna, que reconhecemos por uma pinta. A foto foi liberada pela própria irmã de Madonna, Melanie Ciccone, que trabalhava na Warner Bros. (por acaso, a conheci lá, nesta época, quando fui pegar ingressos para um show, e ela foi muito simpática por eu ser brasileiro, me falando dos parentes paulistas), e disse que ela, sua irmã Madonna, não se incomodaria com o uso da imagem, pois ela conhecia a galera do SY desde os tempos da boate Danceteria.
Com o relativo sucesso do single e do EP, a banda gravou um LP cheio, batizado de ‘The White(y) Album’ (lançado já em 1988), com uma capa toda branca, apenas com o nome Ciccone Youth estampado nela. Além de ser um tributo a Madonna (que, parece, namorou o Lee Ranaldo, um dos guitarristas do SY brevemente, no começo dos 80s, tendo tocado guitarra com ele no CBGB, como ela conta, sem dizer nomes, em seu novo show, eu deduzi isso), o disco também faz uma homenagem ao pop em geral, tendo uma cover para ‘Addicted to love’, de Robert Palmer, cantada pela baixista Kim Gordon (em cima de base de karaokê). Apesar das boas intenções, o single e o EP deram mais resultados do que o álbum cheio, quando a brincadeira já perdera toda a graça (nem público, nem crítica, deram bola).
A banda, não fez nada para ajudar em sua divulgação.
Assim, a piada passou, e o Ciccone Youth, hoje, é lembrado apenas como uma curiosa brincadeira.