Edson Aran
Quando um jornalista diz “o governo se comunica muito mal”, fico imaginando como foi a coletiva de imprensa do presidente.
“Presidente, o que o senhor tem a dizer sobre a queda de popularidade nas pesquisas?’
“Estrunfo murfi gruber zumba-zumba capati?”
“Presidente, haverá alguma mudança na articulação política do governo?”
“Esquifozo mirafória firula craconha boraca!”
“Presidente, usar o STF para reverter decisões parlamentares não é uma tática temerária e antidemocrática?”
“Humpft! Morituri taturana abrolho paspaque catsu!”
Quando um jornalista diz “o governo se comunica muito mal”, quem está se comunicando muito mal é o jornalista.
Nas entrelinhas, o que ele está declarando é: “Esse governo é muito da hora, tá ligado, mano?! O governo faz tudo certinho e nunca pisa na bola! O problema é a sociedade boba e feia que não entende o que o governo diz! Só trocando essa sociedade mesmo…”
Quando eu era foca – mamífero da família dos focídeos que decide trabalhar na imprensa – aprendi que jornalista tem que ser desconfiado. Um incrédulo profissional. Um iconoclasta praticante. Um descrente fundamentalista.
Jornalista é o cara que ao ouvir “bom dia”, pensa: “Bom dia por quê? Tem alguma coisa errada aqui!”
Jornalista é o cara que ao atravessar rua de mão única, olha pros dois lados só por precaução.
Jornalista é o cara que duvida até da própria fonte, mesmo que a água mineral seja cristalina e levemente gasosa, como deve ser.
Se o governo se comunica em línguas mortas, klingon ou esperanto, o problema é dele, não do jornalista.
O jornalista tem é que ler nas entrelinhas, decodificar o dito, identificar o não-dito, macetar o discurso, destrinchar o palavrório, explicitar a falsidade, expurgar a mentirada e só então traduzir a gororoba para o distinto público. A profissão paga mal e não garante velhice tranquila, mas a essência da atividade é essa. Quem não gosta pode tentar malabarismo, teatro de sombras ou animação de festa infantil.
Desde que frequento as urnas eleitorais, pratico conscientemente o Voto Nelson Ned: escolho sempre o mal menor. Mas não me iludo: o objetivo de todo governo, qualquer governo, é sempre o mesmo: tomar o meu dinheiro pra gastar com bobagem. Na dúvida, lembre-se do Millôr Fernandes: “Jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”.