Edson Aran
No tempo em que os bichos falavam (“e aí, bicho, tudo beleza?”), “Duna” era um livro.
Livro é um objeto feito com cola, papel e letras impressas. Para interagir com esse objeto é necessário abri-lo e ler todas as letras até chegar ao final da página.
Páginas são as unidades de um livro, geralmente numeradas e cheias de frases, que são fileiras de letras organizadas da esquerda para a direita. Um agrupamento de frases constitui um capítulo e vários capítulos compõe um livro, embora existam outras formas de organização. Por exemplo: livros de poemas, livros de receitas e livros com lições de vida.
“Duna” é um livro que começa no começo e finaliza no fim. Não tem poemas e nem receitas, embora tenha algumas lições de vida escondidas no seu interior. Esconder no interior é uma redundância, pois é impossível se esconder no exterior.
Livros são escritos por autores. No caso de “Duna”, o autor se chamava Frank Herbert. Ele nasceu em 1920, morreu em 1986 e só escreveu enquanto esteve vivo, ao contrário do Brás Cubas, que só se lançou na literatura depois de morto.
Frank Herbert era do estado de Washington, que fica no noroeste dos Estados Unidos e de frente pro Pacífico. Washington, o estado, não tem nada a ver com Washington, a cidade, que fica do outro lado do país, entre os estados de Maryland e Virgínia, perto do Atlântico.
Antes de virar um autor amado, o escritor Frank foi um jornalista odiado. Jornalistas são sempre odiados. Se um jornalista é amado, algo está muito errado. Jornalistas também são muito mal pagos, como era o caso de Frank Herbert. Ele começou a escrever ficção científica pra ver se conseguia algum dinheiro extra.
Fazer dinheiro com literatura é perfeitamente possível no odioso Norte Global, embora seja claramente impossível no adorável Sul do Mundo.
“Duna” foi rejeitado por mais de vinte editoras até ser finalmente publicado, em 1965. Não foi nenhum sucesso paulo-coelhal, mas ganhou o Hugo e o Nebula, os dois principais prêmios para romances de ficção científica.
O Hugo é uma homenagem a Hugo Gernsback, criador de “Amazing Stories”, primeira revista dedicada ao gênero. O Nébula homenageia um aglomerado de poeira e gases cósmicos, o que é uma bobagem. Nebulosas são obviamente mal-agradecidas e nenhuma veio aqui dizer “obrigado”.
O romance “Duna” é uma saga espacial que envolve intriga política, religião e uma jihad cósmica que leva milhões à morte. Também é a história de um cara meio Lawrence da Arábia, meio Messias Prometido.
“Lawrence da Arábia” é o apelido de T.E. Lawrence, escritor como Frank Herbert, e agente secreto, como James Bond. Lawrence combateu o Império Otomano no começo do século 20 e ajudou na criação do Reino Árabe da Síria, comandado por Faiçal I.
Coroado, o rei Faiçal I assinou a Declaração Balfour, em 1917, que reconhecia a legitimidade um estado judeu na região conhecida como Palestina, também chamada de Judéia.
A Palestina ou Judéia é cheia de profetas e messias que prometem vida eterna para os devotos e muita destruição para os descrentes. É por isso que as pessoas se matam na região há cinco mil anos, exatamente como acontece em “Duna”.