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Macetando o Apocalipse

Edson Aran

Era segunda de carnaval. Leninha ia feliz da vida para o bloco Acadêmicos do Baixo Elétrico, que se concentrava na Praça Roosevelt, ali no centro de São Paulo. Era a primeira folia que ela estaria linda, leve solta. Tinha largado o namorado em janeiro, só para festejar melhor.

Sua fantasia de Não-Odalisca era composta de biquini, fitas coloridas e purpurina. Ela tinha pensado em sair de Odalisca mesmo, mas descobriu que isso seria uma apropriação indevida da cultura dos haréns e mudou de ideia.

Macetando o Apocalipse

Leninha tinha combinado de se encontrar com suas melhores amigas, todas solteiríssimas como ela: a Si (Anti-Fada, para não fazer apropriação da cultura celta), a Lu (Não-Guerreira Tupinambá) e a Gi (Pós-Princesa Não-Binária).

Leninha saiu feliz do metrô e foi então que ela escutou um estrondo de mil trovões. O sol sumiu numa pororoca de nuvens vermelho-sangue e um vento frio começou a soprar. A batucada distante do bloquinho foi sufocada pelo toque estridente de um milhão de trombetas. E uma voz grave e bem colocada se fez ouvir por todo o centro da cidade:

“Chegou o Apocalipse! Não é fake News! Não é pegadinha! É mesmo o fim dos tempos! Os pecadores vão comer literalmente o pão que o diabo amassou na padaria dos Quintos dos Infernos. Mas todos as pessoas de bem e de fé serão arrebatadas imediatamente. Procure o anjo mais próximo e veja se você está em dia com o carnê da igreja. Voltaremos a qualquer instante com mais informações sobre a destruição do mundo. Fique ligado!”

Leninha ficou espantada, estarrecida, estupefata, esbaforida, e mais um monte de coisa que começa com “e”. Não havia tempo pra mais nada. Ela saiu em disparada na direção da concentração do bloquinho. No caminho, empurrou um árabe (bem feito!) um índio (bem feito!) e um homem vestido de mulher (mais bem feito ainda!). Chegou desesperada até o fundador do Acadêmicos do Baixo Elétrico, o ativista, arquivista, anarquista e academicista Alalaô Yourself e foi logo explicando a situação:

“O mundo vai acabar! É hora da Grande Tribulação! As Sete Trombetas vão soar e a Besta do Apocalipse está prontinha para destruir todo mundo que não tem fé! Precisamos fazer alguma coisa urgente!”

“Olha, eu tenho uns amigos no governo, mas não sei se eles conseguem resolver…”, respondeu ele.

E a Leninha na sua fantasia de Não-Odalisca, super gostosa depois de quatro meses de dieta e sem namorado pela primeira vez no Carnaval, respondeu: 

“Ah, não precisa, Alalaô. Eu só queria que o bloco saísse mais cedo…”

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