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Um País polarizado e uma democracia idealizada

Por Laisa Lima

“A democracia não pretende criar santos, mas fazer justiça”

Paulo Freire

A verdade é que ninguém é santo aos olhos da democracia. Mas é necessário fazer justiça para honrar seu nome.

Na Antiguidade Clássica, o conceito envolvia o querer em comum dos povos habitantes das cidades-estados. Atenas, na Grécia, foi palco da difusão de seu significado, mas caiu em desuso na Idade Média devido aos novos regimes adotados. 

Entretanto, a Revolução Francesa chegou não só para dar início a Idade Contemporânea, mas também para tornar o homem um cidadão e atualizar a ideia de democracia.

Mas engana-se quem acha que o pensamento acerca da palavra é unânime.
Hoje participamos de uma redemocratização constante, ocorrida conforme as normas de determinados grupos e indivíduos que, no alto de seu privilégio, definem quem está sob a vigilância dos preceitos da igualdade ou não.

O jornalista Césio Oliveira, um dos coordenadores editoriais de “A Um Passo da Liberdade”, juntamente com Vander Prata, José Barreto e o produtor cultural Sérgio Guerra, lançamento da editora Edições Maianga, também repórter do antigo Jornal da Pituba, nos ajuda a assimilar qual a utilidade da democracia quando se mais precisa, focando principalmente na história do Brasil.

Afinal, somos camaleões a respeito da mutabilidade democrática ou ela só é manuseada quando nos convém?

A Bahia que representava o Brasil…

O Jornal da Pituba, nativo de Salvador, Bahia, fez parte da luta pela democracia em anos ditatoriais e igualmente em tempos de revolução. Entre 1985-1986, momentos que antecederam o movimento das Diretas Já, o tabloide reuniu entrevistas de figuras de oposição, transformando-se em aliado da informação imparcial.

“O partido da imprensa tem que ser a notícia mais próxima possível do fato objetivo, da verdade.”

O Jornal da Pituba, que circulou durante mais ou menos 1 ano e meio, saiu de sua terra natal, a Bahia, para contestar o uso da democracia no restante do país.  

Em uma época pós-ditadura militar e pré-Constituição, os textos se direcionavam para a busca da liberdade, seja da imprensa ou do povo.

Césio Oliveira, Vander Prata e José Barreto foram responsáveis, então, por dar um tom reacionário ao jornal, escolhendo a dedo os entrevistados para que nenhum destoasse do foco de ser um motivo de inquietação social.

“Todos os jornais convencionais, na época, achavam que nós éramos um bando de irresponsáveis, falando de coisas que não se deveria tratar publicamente”, diz o jornalista.

Na tentativa de fazer um jornalismo “limpo, sério, isento, fora de amarras e de partidarismo”, segundo ele, o veículo gerou um ódio instantâneo nas demais mídias cuja intenção não era representar a democracia, mas sim ratificar a lateralidade nacional vigente.

Em “A Um Passo da Liberdade”, são vistas 17 entrevistas, quase em formato de proza, de personalidades importantes para os anos 1985 e 1986; é a partir daí que o Jornal da Pituba agrega maior notoriedade. 

“Saiu (o jornal) de um bairro, um bairro de classe média alta aqui em Salvador, e ganhou uma repercussão nacional”, ressalta Césio ao falar sobre a aderência de leitores Brasil afora trazidos por figuras como Caetano Veloso.

Além do artista, Jorge Amado, João Ubaldo Ribeiro, Darcy Ribeiro, Leonel Brizola, Waldir Pires, Dorival Caymmi, Glauber Rocha e Fernando Gabeira são exemplos de peças chaves dos anos 80 que engrandeceram o veículo trazendo suas visões, seus apoiadores e seus opositores igualmente. 

Por tabela, o tablóide existia por si mesmo ao não se isentar de questões polêmicas, tais quais o consumo de maconha e a divulgação crescente do conhecimento acerca do vírus da Aids.

O prisma em volta de assuntos tabus hoje é o cerne da imprensa descompromissada com a iniquidade, podendo, dessa forma, dizer que O Jornal da Pituba influenciou na construção de um imaginário midiático neutro.

… e o Brasil que gritava por democracia

As Diretas Já foi um movimento popular ocorrido entre 1983 e 1984 em oposição à ditadura militar, exigindo a aprovação da Emenda de Dante de Oliveira, que garantia eleições por voto direto, o que desde 1960 não acontecia. A emenda não foi aprovada por falta de 22 votos, porém deu-se o pontapé para a redemocratização do Brasil.

Assistimos de camarote aos atentados terroristas de 8 de janeiro, quando o Planalto foi invadido por manifestantes a favor do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Além da atitude vândala, o ataque resvalou na acepção de democracia, sendo questionável a manutenção de seu sentido quando acontecimentos como este dão as caras na sociedade contemporânea. 
“No mundo inteiro, existe uma realidade que ameaça à democracia”, analisa Césio.

Mas ainda é democracia?

“As pessoas obtêm prazer com a confirmação de suas ideias e de suas identidades – ideológicas, partidárias, morais, estéticas etc. – e assim tendem a recusar enfrentar a realidade caso ela possa colocar em xeque essas ideias”.

Quem diz isto é Francisco Bosco, autor do recente “O Diálogo Possível” e apresentador do canal GNT, em entrevista ao site GZH, reafirmando sua tese de “desalienação” e “desidentificação” como via para uma existência democrática.  
Contudo, a experiência da redemocratização nos anos 80 leva a crer que, embora haja avanços na isonomia, os vislumbres do Brasil colonial ainda permeiam o cotidiano dos que aqui vivem. 

“É um país que por muitos anos viveu no colonialismo, na tutela dos colonizadores, e depois de Getúlio, depois a ditadura militar. Ou seja, estamos há muito tempo sob a tutela de colonizadores e ditadores”. Para Césio, por esta razão citada acima, a democracia tupiniquim é extremamente frágil, sendo necessário vigiá-la o tempo inteiro.

Informar-se é exercer a democracia

A imprensa livre é uma das metas de um país democrático. 

Césio dá enfoque no libertário sentimento de ultrapassar as simbologias do partidarismo e fazer da imparcialidade a maior característica da mídia atual. 

“A liberdade de imprensa plena coincide com a luta democrática”, e continua, “sem a impressa livre, e principalmente com as fake news, com os veículos atrelados às ideologias de plantão, a democracia não existe plenamente”.

O jornalista inclui neste embate também os artistas, que procuram por uma expressão sem enquadramento, objetivando o que a arte mais anseia: a produção de pensamentos divergentes.

“O Jorge Amado chamava a atenção para o cuidado que se deveria ter com a constituinte, que estava começando; ele chamava atenção para problemas brasileiros como os dos indígenas”, exemplifica Césio.

Direita ou esquerda?

Fotos: Pixabay; Arquivo Globo; montagem sobre reprodução

No livro “Direita e Esquerda: Razões e Significados de uma distinção política”, o autor Norberto Bobbio estuda justamente esta contraposição de pareceres sem julgamento específico, somente adotando a reflexão em cima da origem de ambos. 

Para que seja possível adentrar um caminho do meio, o escritor realiza uma analogia:

“Entre o preto e o branco, pode existir o cinza; entre o dia e a noite há o crepúsculo. Mas o cinza não elimina a diferença entre o branco e o preto, nem o crepúsculo elimina a diferença entre a noite e o dia”.

Considerando isso, a redemocratização perpassa a polaridade para chegar a um consenso social. 

Desde a Revolução Francesa, quando a denominação das duas esferas políticas teve seu início, a luta democrática repartiu-se entre noções pessoais e coletivas mensuradas dentro destes dois grupos.

Para efeitos de comparação, Césio associa os dias de hoje com a realidade posterior a ditadura: “É mais ou menos o momento que estamos vivendo hoje, um momento de novamente de reafirmar a democracia, novamente de acender a esperança no Brasil mais justo, mais igual para todos”.

Representado pela disputa entre o ícone esquerdista e o símbolo da direita, Jair Bolsonaro e Luís Inácio Lula da Silva, respectivamente,  as alegorias são volúveis, indo conforme a ideologia optada – um “fardo” que o cidadão carregará quase eternamente.

Estamos a quantos passos da liberdade?

A liberdade plena talvez seja algo utópico, mas a gente não pode desistir de lutar por ela.

Porque se a gente se acomoda, a gente não reclama, e aí a gente aceita a imposição da censura, da desigualdade, da violência, do genocídio, desses crimes contra a humanidade, nós estamos contribuindo com esse estado de coisas. Nós vamos estar sempre a um passo da liberdade, sempre lutando por isso.”

Celso Oliveira

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