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“Guerra Civil” evita polarizações para aventar comentário perene sobre descalabro da guerra

Por Reinaldo Glioche

Cena do filme "Guerra Civil"

Existe uma cena aparentemente banal em “Guerra Civil” (Civil War, EUA 2024), novo longa de Alex Garland (“Ex-Machina” e “Aniquilação”) que revela todo o sentido do filme. A fotojornalista Lee (Kirsten Dunst) deixa-se capturar por sua aprendiz Jessie (Cailee Spaeny) transparecendo vulnerabilidade e certa nostalgia. É um breve momento de sossego em meio a uma travessia que as duas, acompanhadas dos jornalista Joe (Wagner Moura) e Sammy (Stephen McKinley Henderson), fazem pelos EUA em meio a uma guerra civil.

Não sabemos o que desencadeou o conflito. Apenas que o presidente dos EUA em 3º mandato atira em jornalistas e está perdendo a guerra para duas coalizões, uma liderada pela Flórida e outra que une Texas e Califórnia, dois estados historicamente dispostos em polos antagônicos do espectro político, o que ajuda nas confabulações.

Garland, porém, esquiva-se das polarizações por entender, acertadamente, que elas esvaziariam o conceito de seu filme. Em um mundo dessensibilizado, seu filme parece existir para reforçar a importância do registro, o que nos remete àquela cena da abertura desse texto. Lee, o mais perto de protagonista que o filme ostenta, tem olhos desesperançados. Ela também se ressente de levar o “velho, que não pode correr” Sammy e a novata e despreparada Jessie para Washington D.C, o ponto mais quente da guerra, e onde jornalistas estão sendo alvejados apenas por serem jornalistas. Lee, na performance arrebatadora de Dunst, vive uma crise existencial, como observa Sammy em dado momento.

É a crise existencial de Lee que “Guerra Civil” quer empurrar para sua audiência. Algo que seria totalmente obliterado no caso de ideologizar, ainda que por mero entretenimento, o comentário aventado na narrativa. Garland resiste a essa tentação e mostra uma América de conflitos pulverizados, como os que enfrentamos na sociedade de hoje. Em uma cena, os protagonistas se deparam com um atirador desconhecido e outros dois atiradores tentando subjugá-lo. As bandeiras pouco importam ali. Em outra cena, com um exemplar Jesse Plemons, o horror se manifesta em toda a sua grandeza, apenas porque o ambiente assim favorece.

Wagner Moura em cena do filme "Guerra Civil"
Wagner Moura em cena de “Guerra Civil” | Fotos: Divulgação

São divagações ofertadas por uma narrativa muito interessada em refletir o presente a partir de um futuro mais possível do gostaríamos de admitir. Ao evitar as polarizações, embora elas, como as reações nas redes sociais já demonstram, vão ao encontro do filme, Garland salvaguarda não apenas o conceito pretendido, mas a perenidade da dramaturgia de “Guerra Civil”, um lembrete austero do quão perigosamente próximos estamos de enfiar os pés pelas mãos.

Embora perca força no terceiro ato, quando deixa de ser um road movie pelo caos existencial dessa América fraturada e assume seu viés como filme de ação, “Guerra Civil” é uma produção que entretém no mesmo compasso que faz pensar. O tipo de cinema pelo qual devemos ansiar nos multiplexes.

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