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Como Ziraldo mudou o mundo

Edson Aran

Ziraldo me contou uma história que acho que ninguém mais sabe, já que não a vi em nenhum lugar. Ali pelo final dos anos 60, o cartunista saiu pelo mundo oferecendo seus trabalhos. Numa dessas, bateu na porta de uma nova revista masculina que havia surgido alguns anos antes na Inglaterra, mas que acabara de desembarcar nos Estados Unidos, a “Penthouse”.

O dono da publicação era o Bob Guccione, uma figura bastante diferente de Hugh Hefner, o criador da “Playboy”. Hef se tornara o garoto-propaganda da própria marca, voando num avião DC-9, o Big Bunny, que tinha poltronas de veludo, cama com lençóis de seda e uma tripulação de coelhinhas. Guccione, ao contrário, era um fotógrafo discreto e colecionador de arte, que tinha mais orgulho dos seus Picassos do que da sua… hãã… bem, voltemos ao Ziraldo.

Ziraldo publicou alguns trabalhos na revista e Bob Guccione ficou bastante entusiasmado com as ideias, a elegância, o traço e a versatilidade do brasileiro. Na época, “Playboy” tinha um dos melhores diretores de arte da história das revistas, Art Paul. O outro era o George Lois, que estava fazendo capas fabulosas na “Esquire”. Nenhum dos dois estava a fim de sair do emprego para se aventurar numa revista recém-lançada. Guccione então mandou a proposta: “E aí, Ziraldo, topa assumir a direção de arte da “Penthouse?” Não com essas palavras, claro, porque ele não falava português. Ziraldo, como sabemos, não topou. “Eu teria que mudar de vida, mudar de país, mudar tudo…”, ele me contou.

Mas e se tivesse topado?

Arrisco um palpite: Ziraldo teria mudado a história das revistas masculinas. Com seu refinamento e bom gosto, ele seria um grande competidor para George Lois e Art Paul. Vale lembrar que, na época, essas revistas eram mais pudicas do que perfil de ex-BBB no Instagram. Nenhuma delas tinha nudez total e o ensaio fotográfico nunca passava de seis páginas. Isso mudou logo depois. Para ganhar público, “Penthouse” avançou o sinal no início dos anos 70, publicando a primeira nudez frontal feminina. “Playboy” relutou, mas se rendeu à ousadia da concorrente, apesar da oposição de Art Paul. E o resto é história.

Além de escritor, autor infantil, brilhante satirista político, Ziraldo também foi um excelente desenhista de curvas femininas. Quando assumi a “Playboy”, estava obcecado em trazer de volta os grandes colaboradores do passado. Ziraldo, o criador de “Mineirinho”, foi o primeiro deles. Na edição da Cleo Pires (agosto 2010), cuja versão em capa dura foi recentemente leiloada por quase 30 mil reais na Internet, tem 10 páginas de cartuns dele. Ele também foi assíduo no “Playtimes”, uma seção de humor que inventei e que também tinha Angeli, Allan Sieber, Mauro A. e Ivan Lessa. Parte desse material está reunido no livro “O humor de PLAYBOY’, publicado em 2009 e ainda encontrado nos bons sebos do ramo.

Ziraldo foi um gigante numa geração que tinha Millôr, Jaguar, Henfil, Claudius, Fortuna, Stanislaw Ponte Preta, Ivan Lessa, Chico Anysio,  Jô Soares, Luís Fernando Veríssimo… ufa! Como nosso humor piorou, não? Fala sério. O que mais dói é que ninguém substituirá Ziraldo nesse nosso mundo triste e tapado. Sua obra, contudo, está preservada em vários livros de cartuns, charges, cartazes, quadrinhos e histórias infantis. Faça um favor a você mesmo: tenha todos eles na estante.

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