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Vida fora das grandes cidades se torna um atrativo do trabalho remoto

Novos apartamentos na cidade e fuga para o interior: perfil de trabalho sofre mudanças com a pandemia, e empresas enfrentam resistência para se transformar

Por Gabriela Mendonça

A pandemia mundial trouxe muitas consequências que transformam inúmeros setores da economia, além de aspectos da vida cotidiana das pessoas. Desde março de 2020, quando foi iniciado oficialmente o isolamento no Brasil, debates sobre saúde física e mental, qualidade de vida, relação com o trabalho e moradia foram ampliados e, quase três anos depois, muitas dessas questões se transformaram em uma nova realidade, ou como muito se fala nos últimos tempos, o “novo normal”. 

Em geral, o que as pessoas enfrentaram nos últimos anos foram incertezas, instabilidade financeira e uma economia retraída. Mas nem todos passaram por um período de revezes, e, entre tantos números abaixo da média, um dos segmentos que viu os índices melhorarem foi o setor imobiliário.

Em 2020, no auge da pandemia, a cidade de São Paulo teve um aumento de 4,5% nas vendas residenciais em relação a 2019, com mais de 51 mil unidades comercializadas no período. “À época, o ambiente macroeconômico (com ampla oferta de crédito e juros baixos) proporcionou as condições necessárias para garantir o atendimento à demanda por moradia nos mais diversos segmentos e faixas de renda”, explica Celso Petrucci, economista-chefe do Secovi-SP (Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Comerciais e Residenciais de São Paulo).

Segundo Petrucci, a vida em casa motivou o aumento das vendas, bem como o tipo de imóveis comercializados, e sua localização. “O home office ganhou força, e morar fora dos grandes centros urbanos passou a ser objeto de desejo de boa parte das famílias. Com isso, houve também um movimento migratório para cidades situadas em um raio de 100 quilômetros da capital”, completa.

Quem entra e quem sai

Como consequência desse novo cenário de vida, dois movimentos importantes aconteceram, transformando o mercado imobiliário nos grandes centros – e em cidades menores. O primeiro é de recém-separados, ou pessoas na faixa dos 30 anos que não pretendem se casar, que optam por morar sozinhas e vão viver mais próximas ao burburinho das metrópoles.

Coworking cresce como uma solução para empresas economizarem no aluguel e manterem formato híbrido de trabalho Foto: Unplash

O outro é de famílias, pequenas ou grandes, que passaram a buscar mais espaço, menores preços, e uma vida mais tranquila fora dos grandes centros. Foi o caso do analista de inteligência de mercado Gabriel Amorim, que depois de anos vivendo na capital paulista, decidiu se mudar com a esposa para a pequena cidade de Arapongas, no Paraná.

“Decidimos deixar São Paulo no meio de 2021. O plano existia antes da pandemia, por conta do custo de vida elevado. Como eu já estava estabelecido no formato de home office, preferimos sair porque o salário de São Paulo aplicado em cidades do interior traz maior rentabilidade”, explica.

Morando de aluguel na capital em um apartamento de 50m², eles tinham algumas exigências para a casa nova: um quintal com churrasqueira, um cômodo para transformar em escritório e um quarto extra para receber visitas.

Mas, segundo Gabriel, a busca não foi fácil. “Eram muitas imobiliárias, cada uma oferecendo coisas diferentes. A procura por casas lá  também era muito grande, e foi difícil encontrar um imóvel que se adequasse ao que buscávamos”, explica.

Por fim, eles encontraram a casa que atendia as necessidades do casal, que incluía três quartos, sala, cozinha e o quintal desejado por um valor mensal de R$ 1.220,00. Em São Paulo, um imóvel de três quartos na Zona Norte, em bom estado, possui aluguel médio por m² de R$ 25,53, portanto, uma moradia de cerca de 90 m² custaria cerca de R$ 2.297,70 mensais, quase o dobro do valor pago por Gabriel.

Novos caminhos

Para Gabriel, a vida nômade veio para ficar, embora as empresas nem sempre vejam da mesma forma. Muitas organizações ainda insistem em modelos que dificultam a flexibilidade dos colaboradores. Ele mudou de emprego três vezes ao longo dos últimos dois anos e, embora esteja totalmente em trabalho remoto, ainda fica incerto em relação ao futuro.

“Descobri que o mercado não está adaptado ao full home. Hoje eu estou em casa e pretendo ficar, mas não tenho a segurança que vou conseguir isso novamente. Em prol da minha qualidade de vida, espero que eu encontre, mas não tenho segurança profissional que será sempre assim”, comenta.

Trabalho remoto exige um espaço adequado em casa /Foto: Unplash

Esse não é o caso da escola de idiomas Ebony English, que há 14 anos oferece cursos em grupo e particulares em São Paulo. Com o isolamento, a instituição logo se atualizou para o formato digital, e não pretende mais ter aulas presenciais.

De acordo com a CEO da Ebony, Marta Celestino, houve um período de ajuste, mas a adesão ao novo modelo foi positiva. “Tivemos alguns casos de alunos que não se adaptaram, mas foram poucos. Já tínhamos a plataforma construída, então a única adaptação foi de sala de aula. Isso demandou mais dos professores, mas eles se ajustaram, alguns até fizeram curso e deu super certo”, explica a executiva.

Antes da pandemia, a empresa já apostava em um novo modelo imobiliário que tem se destacado no Brasil: o coworking. Segundo uma pesquisa realizada pela International Workplace Group, 62% das empresas no mundo todo estão ocupando espaços flexíveis de trabalho, seja escritórios compartilhados ou coworking.

Em geral, esses espaços são diversificados, oferecendo salas menores, espaços para reunião, e até áreas para quem trabalha sozinho e pode dividir a bancada com outras pessoas. O estilo tem ganhado mais adeptos, especialmente pelos valores competitivos e facilidades oferecidas.

Segundo Marta, o valor pago pelo coworking da Ebony é similar ao que gastavam no aluguel de uma sala comercial, porém não se preocupam com as despesas extras, incluindo limpeza, internet e manutenção. “A mudança para o coworking permitiu que não nos preocupássemos com mais nada além de chegar para trabalhar”, completa.

Vivendo por aí

Gabriel fez adaptações em um cômodo de casa para trabalhar com mais conforto: espaço recebeu placas de espuma para diminuir o ruído, e uma mesa feita por ele mesmo para atender suas necessidades /Foto: arquivo pessoal

“O estilo de vida das pessoas mudou muito nesses últimos dois anos. O convívio com a família e os amigos tornou-se mais necessário e intenso, assim como a busca por qualidade de vida. É um caminho sem volta”, opina Petrucci.

Mais do que viver pelo trabalho, as pessoas querem viver bem, e trabalhar melhor. Para muitos, isso significa mais flexibilidade nas horas e locais de trabalho, facilitando o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

Com isso,  a oportunidade de viver “por aí”, conhecendo novos lugares sem se preocupar em se estabelecer tão cedo, se torna uma opção atrativa. Para Gabriel, se o mercado permitir, essa será sua realidade por um bom tempo. Mas, como ele mesmo reforça, sempre contanto com um espaço em casa para receber os amigos. “Queremos ter gente em casa sempre, afinal a felicidade só é real se compartilhada”, conclui.

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