Search
Close this search box.

O judicialismo de coalizão é o novo normal no Brasil

Redação Culturize-se

A recente nomeação de Ricardo Lewandowski para o Ministério da Justiça e Segurança Pública pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em um movimento de aproximação com o Judiciário, traz à tona questões cruciais sobre o papel do Poder Judiciário na governabilidade do Brasil contemporâneo. Esse ato, somado à indicação de Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal (STF), não apenas solidifica uma aliança estratégica entre Executivo e Judiciário, mas também levanta reflexões sobre o fenômeno conhecido como “judicialismo de coalizão” e a inquietação caracterizada como “angústia constitucional”.

Lula, Flavio Dino e Ricardo Lewandowski
O novo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o presidente Lula e o novo ministro do STF, Flávio Dino | Foto: Agência Brasil

A escolha de Lewandowski para a pasta é interpretada por analistas como um gesto de estreitamento da relação entre Lula e o STF. Christian Lynch, professor do Iesp-Uerj, em artigo para o Meio, destaca que essa aproximação é uma resposta ao bolsonarismo, considerando o STF como um aliado necessário. Esse movimento, porém, não é apenas pragmático; remonta ao passado, à época do mensalão e da Lava-Jato, onde Lewandowski se destacou como um “ministro realmente de esquerda”. Mayra Goulart, cientista política da UFRJ, em entrevista ao Valor Econômico, enfatiza que o STF tornou-se crucial na defesa das minorias e na contenção da extrema direita.

O termo “judicialismo de coalizão”, cunhado por Oscar Vilhena Vieira, professor de Direito Constitucional, emerge como uma análise dessa dinâmica. Em um cenário de mudanças no presidencialismo de coalizão, o Judiciário, especialmente o STF, assume um papel na governabilidade. Lynch sugere que essa tendência é permanente, e o Supremo torna-se poderoso demais para não ser incluído no esquema de governabilidade. Essa inclinação é evidenciada não apenas nas nomeações estratégicas, mas também na nomeação de Paulo Gonet para a Procuradoria-Geral da República, articulada pelos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.

Essa coalizão entre o Executivo e o Judiciário é vista como uma resposta às dificuldades do governo no Congresso e às mudanças no presidencialismo de coalizão. Em um contexto de fragilidade política, o Judiciário assume o papel de mediador e garantidor da ordem constitucional, atuando como um contrapeso ao desequilíbrio sistêmico que emerge com a crise de representação e os escândalos de corrupção. Bolsonaro também tentou incutir, com menos habilidade do que Lula, a dinâmica em seu governo.

Paralelamente, o conceito de “angústia constitucional” lança luz sobre o sentimento de incerteza e insegurança jurídica gerado pela atuação do Judiciário. Originado no trabalho do mesmo Oscar Vilhena Vieira, o termo destaca a preocupação com a falta de clareza na Constituição, a atuação do Judiciário em áreas tradicionalmente sob a competência de outros poderes e a politização que pode levar a decisões partidárias.

A judicialização intensa da política brasileira nos últimos anos, com casos emblemáticos como o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de Lula, exemplifica a angústia constitucional. A atuação do STF em questões políticas fundamentais tem gerado debates acirrados e críticas, alimentando a desconfiança sobre a independência do Judiciário.

O fenômeno da angústia constitucional, muitas vezes oriundo da ineficiência do Legislativo e do Executivo em resolver conflitos políticos, levanta questões sobre a legitimidade do Poder Judiciário e seu papel na estabilidade democrática. Em um contexto em que as instituições representativas estão fragilizadas, o Judiciário pode ser visto como o último bastião capaz de garantir a ordem constitucional.

Perspectivas e desafios

Foto: Agência Brasil

A ascensão do Judiciário na cena política brasileira, exemplificada pelas recentes nomeações suscita reflexões sobre o equilíbrio entre os poderes e os desafios enfrentados pela democracia. A aliança estratégica entre Executivo e Judiciário, mesmo sendo uma resposta à realidade política, pode trazer consigo dilemas sobre a independência das instituições e comprometer a altivez do Estado Democrático de Direito..

A confluência entre o “judicialismo de coalizão” e a “angústia constitucional” revela a complexidade do atual cenário brasileiro. As implicações desse entrelaçamento se manifestam em questões de legitimidade, confiança nas instituições e estabilidade política. O desafio é encontrar um equilíbrio que assegure a efetivação da justiça, a defesa da democracia e a preservação da ordem constitucional, sem comprometer a autonomia e a credibilidade do Judiciário. Olhando do ponto em que estamos em 2024, este é um horizonte distante.

Deixe um comentário

Posts Recentes