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Centenário de Millôr Fernandes, um pensador sem igual no Brasil

Grandes pensadores, multitalentosos e capazes de fincar raízes atemporais são moeda rara e o Brasil teve uma boa cota deles, mas Millôr Fernandes, com sua veia aguda para o humor intransigente, figura no topo

Redação Culturize-se

O dia 16 de agosto marca o centenário de Millôr Fernandes, uma das figuras mais marcantes e influentes da cultura brasileira, que construiu um legado extraordinário que ecoa através de obras literárias, charges satíricas, colunas e crônicas na imprensa e frases memoráveis.

A genialidade multifacetada de Millôr Fernandes transcendeu as fronteiras da literatura e do humor, deixando uma marca indelével no pensamento crítico, na sociedade e no imaginário brasileiro. Millôr morreu em março de 2012, aos 88 anos, em seu apartamento em Ipanema, em decorrência da falência múltipla dos órgãos. Discreto, Millôr sempre se notabilizou por seu trabalho crítico e que estimulava a reflexão.

Nascido em 16 de agosto de 1923 no subúrbio carioca do Méier, Millôr Fernandes era filho de Francisco Fernandes, um imigrante espanhol, e Maria Viola Fernandes, uma brasileira. No entanto, devido a um descuido dos pais, seu registro oficial só foi concluído quase um ano depois, e ele foi batizado como Milton Viola Fernandes, com uma data de nascimento oficial de 27 de maio de 1924.

Millôr Fernandes
Foto: Reprodução/Wikipedia

No ano seguinte, uma tragédia abalou a família. Francisco, com apenas 36 anos na época, faleceu subitamente, deixando Maria sozinha com a responsabilidade de cuidar dos filhos: Milton, Hélio, Judith e Ruth. Apesar de ser praticamente um bebê quando seu pai faleceu, Millôr manteve vivas algumas memórias: ele recordava de um homem bem vestido e bonito, que possuía uma casa de fotografia na Rua Larga e tinha o hábito de acordar a família todas as noites para compartilhar momentos de degustação de salames e queijos.

As histórias em quadrinhos são a primeira paixão do jovem Millôr, que tem como seu primeiro emprego o posto de entregador de remédios para os rins (isso existia em 1934). Pouco tempo depois, em 1938, começa a atuar como contínuo e repaginador na revista Cruzeiro. Na função de faz-tudo Millôr se metia nas oficinas, laboratórios, diagramação e onde mais pudesse, inteirando-se de todos os processos de produção e eventualmente se tornando um engraçado “guia turístico” para quem quisesse conhecer as instalações da revista.

Este breve contexto é apenas um exemplo de sua formação como autodidata, que só acentuou sua singularidade, permitindo-lhe abordar temas com uma sagacidade genuína e um senso de observação aguçado.

Na década de 40 começa a atuar como repórter e ilustrador na Cruzeiro, inclusive como correspondente nos EUA, a partir de 48, onde entrevistaria figuras expressivas da cultura como Walt Disney, Carmen Miranda e Vinícius de Moraes. Os primeiros livros, peças e roteiros cinematográficos datam desse período. Em 1957, Millôr já expunha seus desenhos e pinturas no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. 

Desbravando Millôr Fernandes

Millôr Fernandes deixou sua marca inconfundível na literatura através de uma série de obras que abrangem ensaios, peças teatrais, traduções e adaptações. O humor ácido e inteligente permeou suas páginas, como em “O Homem do Princípio ao Fim” (1961), uma obra que explorou a jornada da humanidade de maneira perspicaz. “Trinta Anos de Mim Mesmo” (1973) revelou sua habilidade de refletir sobre sua própria vida e o mundo ao seu redor com um olhar crítico e cativante.

Ele também se destacou como um mestre das charges satíricas, usando a arte do desenho para expor as incongruências e os absurdos da sociedade. Suas charges não apenas provocavam o riso, mas também instigavam reflexões profundas sobre questões sociais e políticas. Seu estilo mordaz e iconoclasta desafiava as convenções e os poderes estabelecidos, lembrando-nos da importância de questionar autoridades e dogmas.

Millôr Fernandes não temia abordar temas controversos e provocar discussões acaloradas. Suas declarações polêmicas, muitas vezes embaladas em um humor afiado, estimularam debates saudáveis e às vezes acalorados sobre liberdade de expressão, política, moralidade e a condição humana. Ele se tornou um farol para os que buscavam desafiar o status quo e desmantelar a complacência intelectual.

Millôr Fernandes
Foto: arquivo pessoal

Frasista de mão cheia

Um aspecto notável do legado de Millôr Fernandes é sua habilidade como frasista. Suas observações penetrantes e suas frases memoráveis capturaram a essência da experiência humana, frequentemente de maneira cômica e perspicaz. Suas máximas brilhantes encontraram seu caminho para inúmeras conversas e debates, tornando-se parte do imaginário coletivo brasileiro e ainda hoje se mantêm assertivas e reveladoras do zeitgeist.

Millôr foi uma figura onipresente na imprensa brasileira. Além do seminal O Cruzeiro, escreveu e produziu charges para a Fatos & Fotos, nos anos 50, para a Veja nas décadas de 60 e 70, para a Isto É, nos anos 70 e 80, quando também atuou como cronista para O Estado de São Paulo e colaborou na sátira política do O Pasquim.

Os intensos anos 80 ainda viram Millôr como cronista do Jornal do Brasil, onde atuou até os anos 2000. Folha de São Paulo, Jornal do Comércio, O Globo e Playboy também tiveram a distinção de publicá-lo nos anos 90 e 2000. Como pode se observar, sua escrita única, humor aguçado e perspectiva crítica contribuíram para a riqueza do debate público e da cultura jornalística brasileira ao longo de décadas.

Principais livros

Prolífico, Millôr Fernandes escreveu mais de 30 livros, outras 40 peças, algumas editadas em livros, teve coletâneas de charges e crônicas publicadas, espetáculos musicais, entre outros. Culturize-se tenta se fazer o impossível e selecionar o absolutamente essencial para se banhar no cânone do autor.

  • Se apenas um livro for possível, que seja “Millôr Definitivo: A Bíblia do Caos”, em sua reedição de 2002 pela L&M Pocket. São 5.142 frases que mimetizam todo um pensamento agudo com muita precisão, humor e sagacidade. Para comprar, clique aqui.
  • “O homem do Princípio ao Fim”, publicado originalmente em 1969 pela L&M Pocket, é mais uma vez o exercício da inteligência, do humor e do profundo interesse de Millôr Fernandes pelo ser humano. Ao fazer esta peça, Millôr traça um grande painel da trajetória humana de Adão até a Bomba H, esmiuçando os seus sentimentos, medos, mesquinharias, lutas e sua capacidade de criar e… destruir. Para comprar, clique aqui.
  • Com textos que vão de poemas e jogos de palavras a fábulas de cunho moral e mensagens sociais, a coletânea de “Circo de Palavras”, originalmente publicada em 2007, estimula o senso crítico e o debate sobre ética e cidadania, de maneira divertida. Para comprar, clique aqui.

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