Se é de leitura instigante, bem humorada e repleta de referências à filosofia, psicologia e arte que você precisa, leia “O sentido da vida”, de Contardo Calligaris
Aline Viana
Contardo Calligaris era italiano de nascimento e uma das poucas pessoas a quem se podia dar o título de cidadão do mundo: viveu na Suíça, na França e nos Estados Unidos, mas resolveu passar as últimas décadas de vida em terra brasilis. Sorte a nossa.
Psicanalista, teve aula com Jacques Lacan (1901-1981), um dos principais estudiosos de Sigmund Freud e que posteriormente desenvolveu sua própria linha de análise.
Aqui, desde os anos 2000 publicava uma coluna na Folha de S. Paulo, sempre às quintas-feiras, que tratava de tudo e de nada, mas sempre com um olhar absolutamente arguto que, não buscava convencer ninguém, apenas plantar a semente da dúvida.
Em tempos tão polarizados, fica até difícil imaginar tal premissa, não?
Já faz dois anos que Contardo Calligaris nos deixou e a editora Paidós nos traz agora, publicado postumamente, “O sentido da vida”, que contém três ensaios produzidos inicialmente para serem palestras no renomado seminário Fronteiras do Pensamento.
Os textos, talvez por terem sido primeiramente desenvolvidos para o evento, lembram um papo entre o autor e seu ouvinte. Com uma bela linha narrativa, certo nível de descontração, mas aquela dose de provocação para nos tirar da zona de conforto sem perder a amizade.
“O que nos impede de aproveitar a vida (o que impede o prazer) é se distrair da vida e se desapegar dela”. Contardo Calligaris. O Sentido da vida.
Uma das primeiras provocações é o autor questionar a importância da felicidade. Mais do que ter esse imperativo de “ser feliz”, condição sabidamente sujeita a intempéries, Contardo nos incita a levar uma vida interessante. E ser interessante é, simplificando bem, ter histórias para contar. É o carpe diem. Enfim, “Uma vida em que você se autoriza a viver intensamente. Autoriza-se a viver com toda a intensidade que todos os momentos da vida merecem”.
No segundo ensaio, Contardo resgata um aforismo constantemente dito por uma tia: “‘un bel morir tutta la vida onora’ (Uma morte bonita honra a vida inteira)”, originalmente um verso de uma canção de Petrarca. Ao conhecer a íntegra do poema, descobre que o sentido original era totalmente diferente daquele que ele imaginava a princípio. O texto envereda por reminiscências da infância do autor, passa pela filosofia clássica e pela ética.
“Quando o indivíduo se torna realmente um valor maior do que a comunidade, é claro que a morte passa a ser uma experiência solitária e, sem dúvida alguma, aterradora e, sem dúvida alguma, aterradora e desesperadora”. Contardo Calligaris. O Sentido da vida.
O texto que encerra a obra tem o ótimo título de “O sentido da vida e a bizarra obrigação de sermos felizes”. Ele parte de um comentário marcante do pai sobre a disposição dos livros na biblioteca para falar sobre obras que se propõem abrir horizontes e diálogos, enquanto outras tomam rumo oposto. E também analisa o papel do pai na sua formação e na luta antifacista na Itália, de forma sincera, inusitada e muito bem humorada.
“Deveríamos todos percorrer com alegria, na nossa cultura e no nosso pensamento, caminhos que não precisam ir a lugar nenhum, que apenas nos dão acesso a alguns buracos na floresta”. Contardo Calligaris. O Sentido da vida.
Há outros livros de Contardo recém-lançados nas livrarias. Comece por este “O Sentido da vida” e avance no seu ritmo: o leitor estará em excelente companhia.
Ainda há outras facetas do autor para explorar, como romancista – comece por “O conto do Amor” – e dramaturgo (série “Psi”), por exemplo, que vale a pena que o leitor explore. Cada “buraco” na estante levará a caminhos mais ou menos longos, mas, certamente, todos interessantes.
Para conhecer mais:
Vale ler ou reler as colunas do Contardo Calligaris na Folha de S. Paulo.
Serviço:
“O Sentido da vida”
Contardo Calligaris
Editora Paidós
144 páginas
Edição impressa: R$ 41,90 na Amazon| e-book: R$ 31,90