O fechamento de livrarias e editoras fez parecer que a literatura estava em decadência. Mas nunca se leu tanto, apenas de uma forma diferente
Por Ana Carolina Pereira
Os últimos anos foram turbulentos para o mercado editorial ao redor do mundo. No Brasil, o cenário devastador para o setor foi o mesmo: fechamento de lojas, falência e processos de recuperação judicial de outrora gigantes dessa área, como as livrarias Cultura e Saraiva, marcaram o que foi considerado o declínio de um modelo de negócio, colocando possivelmente um fim ao varejo de livros por meio das megastores.
Esse foi o principal canal de vendas de livros, e muito bem sucedido, por algum tempo, como comenta o professor de sociologia Carlos Alexsandro de Carvalho, em sua tese de doutorado que teve a digitalização das livrarias megastore como tema. “Esse modelo deu ao mercado editorial um fôlego sem precedentes e possui uma relação íntima com a própria expansão dos shoppings centers no país, potencializando um de seus pilares fundamentais: a oferta de comodidade e familiaridade”.
Recentemente, porém – mas considerando ainda uma realidade pré-pandemia –, a expansão de comércios digitais de grandes dimensões balançou esse mercado pouco a pouco, até mudar completamente a forma de consumir literatura.
A digitalização do mercado editorial
De acordo com Carvalho, foi no final da década de noventa, na verdade, com especial vigor nos Estados Unidos, que esse movimento começou a acontecer. “As vendas online realizadas pelas empresas conhecidas como pontocom passaram a não apenas criar novos canais de vendas ou mesmo ampliar os já existentes, mas, sobretudo, a instaurar novas estratégias de marketing, novas plataformas digitais e a oferta de produtos ou serviços, de modo a minimizar os efeitos das limitações tradicionais de empresas físicas”.
Nesse contexto, a Amazon, fundada em 1995 por Jeff Bezos, teve um papel essencial nas transformações do mercado editorial, justamente porque tinha um objetivo específico, segundo o sociólogo: tornar-se a maior varejista de livros do mundo, exclusivamente com vendas pela internet e, por meio de parcerias com grandes distribuidoras e atacadistas, apresentar um catálogo vasto de títulos, ao mesmo tempo em que dispensaria a necessidade de manter grandes estoques com elevados custos.
A digitalização de livros, os e-books, que não eram necessariamente uma novidade, mas que ganharam uma repaginada e novas maneiras de serem consumidos – mais uma vez, por meio de Amazon, que lançou os dispositivos de leitura que não cansam os olhos e, mais tarde, um programa de leitura a baixo custo, com diversos títulos disponíveis – também tornou difícil a competição com as lojas de livros físicos.
Levou um tempo, é claro. Mas esse desejo se realizou. Em 2020, a empresa se tornou a maior vendedora de livros no Brasil, obtendo cerca de 40% da fatia do mercado, depois de sete anos atuando no país. Em 2019, a porcentagem já era grande: a Amazon dominava 30% do mercado. Mas, para o economista Ricardo Oliedo, não há como ignorar um fator que foi revolucionário para os negócios online: a pandemia.
“É claro que temos que olhar para o mercado digital considerando a sua crescente. Mas é inegável que o modelo se consolidou na pandemia, porque, nesse momento, até aquelas pessoas que não gostavam de comprar de forma virtual precisaram se adaptar a essa realidade. Com isso, mais consumidores, de todas as idades, se depararam e se acostumaram com a s facilidades das experiências online”, afirma. “E a Amazon se destaca, ainda, por oferecer vantagens como entrega super rápida e uma política de troca que deixa o consumidor confortável e sem medo de fazer uma compra e se arrepender”.
Nas palavras de Oliedo, a digitalização, que já vinha a passos largos, começou a mudar o mercado editorial e a forma de consumir livros e a pandemia consolidou esse novo modelo, fazendo com que esse fosse inevitavelmente um caminho sem volta.
A reinvenção do mercado editorial
Mas é preciso deixar claro que não foi só a digitalização que mexeu com o mercado editorial. A socióloga Márcia Antunes, que é também pesquisadora do mercado editorial, ressalta que outros fatores já vinham ameaçando o mercado muito antes dos movimentos mais robustos dos players digitais.
“No Brasil, podemos destacar as altas taxas de imposto em cima de livros, que fazia com que o produto fosse encarado como um artigo de luxo, como um grande desincentivador da cultura literária. Junto a isso, o interesse dos brasileiros – e de demais pessoas ao redor do mundo – pela leitura diminuiu muito com a chegada de outras formas de entretenimento, como os streamings, jogos e o smartphones, que facilitam o consumo de diversas formas de lazer literalmente na palma da mão”, diz. “Se pararmos para pensar, eram muitos os fatores jogando contra o mercado editorial”.
O mercado, de fato, levou um duro e bastante oneroso chacoalhão. Além das livrarias, as editoras também sofreram um baque – de 2006 a 2020 encolheram cerca de 25% no país – e parecia esse ser talvez o fim dos livros, ou da maioria deles.
Mas não se pode esquecer, como ressalta Oliedo, que os negócios bem sucedidos são conhecidos por saberem se reinventar. E o mercado editorial, importante que é, não poderia ficar de fora dessa máxima. “O modelo vigente claramente não estava funcionando. Foi aí que novas formas de oferecimento de literatura apareceram: vimos uma forte tendência de expansão de plataformas que oferecem áudio livros e um novo modelo que tem se mostrado, até hoje, muito próspero, os clubes de livro – tanto aqueles que entregam um livro por mês ao consumidor quanto aqueles que sugerem um título e disponibilizam conversas e trocas sobre aquela história para os participantes”.
O amor pelos livros não morre
O amor pelos livros e pelas histórias literárias não morreu. Pelo contrário, é possível dizer, inclusive, que nunca se leu tanto no Brasil. Para se ter ideia, o 11º Painel do Varejo de Livros no Brasil de 2022, uma pesquisa realizada pela Nielsen Book do Brasil e divulgada pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), mostrou que foram vendidos 47,65 milhões livros em 2022, com uma arrecadação de R$ 2,06 bilhões, valores superiores em relação ao ano anterior em 4,06% e 8,59%, respectivamente – vale ressaltar que, em 2021, o mercado editorial já celebrava uma performance superior a 2020.
A pandemia, que talvez tenha sido a responsável por colocar uma pedra em cima das megastores literárias de vez, paradoxalmente reavivou o hábito da leitura. Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (IPEC) e divulgada em agosto de 2022, apontou que a leitura ajudou os brasileiros a enfrentar o isolamento imposto pela pandemia: 87% dos entrevistados informaram que leram mais durante esse período, e 60% afirmaram terem aumentado seu interesse por livros.
Nem todos os livros são lidos de forma online e, agora, com o oficial fim da pandemia de Covid-19 e a abertura completa de lojas físicas mundo afora, nem toda compra será feita de forma virtual. Isso não significa, necessariamente, que há uma abertura para a volta das megastores, mas talvez para um ainda mais velho modelo de negócio, que vem ganhando as cidades novamente.
Vale a pena observar como o mercado passa por transformações constantes, mas é também cíclico, como aponta Oliedo. Segundo ele, o que é visto como tendência, que já está acontecendo, na verdade, é a volta das livrarias menores, de bairro, que suprem o desejo dos leitores assíduos e consumidores de livros físicos de folhear as novidades e ter toda a experiência sensorial que só as livrarias são capazes de proporcionar, mas que também entregam os produtos de forma mais nichada.
“Então, vemos pequenas livrarias focadas em autoras femininas, livrarias voltadas ao público LGBTQIAP+ e assim por diante. Eu não enxergo uma volta das grandes lojas, pelo menos não por enquanto. Mas novas maneiras dos mundos físico e online coexistirem. E, claro, a ascensão dos livros, de novos autores e de todos que souberem entender o que esse consumidor leitor quer e precisa a partir de agora”, conclui.