Redação Culturize-se
Os embates recentes entre o bilionário Elon Musk, proprietário do X (outrora conhecido como Twitter), e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes reacenderam uma discussão sobre a regulação da internet no Brasil. Esses confrontos, que culminaram na inclusão de Musk no inquérito das milícias digitais por Moraes, lançaram luz sobre as fragilidades do ordenamento jurídico brasileiro diante dos desafios apresentados pelas gigantes tecnológicas.
De um lado, Musk criticou abertamente as restrições de perfis na plataforma X, chegando ao ponto de declarar que não acataria decisões judiciais. Em resposta, Moraes enfatizou que “as redes sociais não são terra de ninguém”, evidenciando a necessidade de um equilíbrio entre a liberdade de expressão e a responsabilidade no ambiente digital.
Apesar da legislação atual, incluindo o Marco Civil da Internet, estabelecer que as plataformas não podem ser responsabilizadas pelo conteúdo de terceiros, existem exceções quando há decisões judiciais que determinam a ilegalidade de certo conteúdo.
O Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como PL das Fake News, visa atualizar o ordenamento jurídico para abordar questões emergentes, como deep fakes, e estabelecer três eixos: responsabilização, transparência e fiscalização. No entanto, a tramitação do projeto tem enfrentado obstáculos, com incertezas sobre sua votação no curto prazo.
Para especialistas, a dificuldade em regulamentar o ambiente digital no Brasil reside no lobby das grandes plataformas e na necessidade de atualizar um modelo estabelecido pelo Marco Civil em 2014. Apesar de alguns argumentarem que a regulamentação poderia conflitar com a liberdade de expressão, os especialistas refutam essa ideia, destacando que a liberdade de expressão tem limites jurídicos bem definidos.
No embate entre Musk e Moraes, questiona-se se o empresário deve ter o direito de tratar a plataforma como seu quintal, dadas suas ações seletivas de bloqueio e desbloqueio de contas. Esses eventos evidenciam a complexidade da relação entre as big techs e o Estado, desafiando os instrumentos regulatórios tradicionais.
Diante desse cenário, o debate sobre a regulação da internet torna-se ainda mais urgente, e complexo, exigindo uma abordagem equilibrada que proteja tanto a liberdade de expressão quanto os direitos individuais.
Uma alternativa à PL das Fake News
A Comissão de Juristas do Senado aprovou no início deste mês um relatório preliminar que propõe uma nova versão do Código Civil, com ampla atenção ao direito digital. Uma das principais mudanças propostas é em relação à responsabilidade das plataformas digitais, que passariam a ter obrigações mais rígidas em relação à moderação de conteúdo e proteção dos direitos de personalidade e à liberdade de expressão.
O relatório preliminar, aprovado de forma consensual, propõe que as plataformas devem adotar medidas diligentes para garantir a conformidade de seus sistemas e processos com os direitos fundamentais, além de realizar avaliações de riscos sistêmicos para prevenir danos. Além disso, as práticas de moderação de conteúdo devem respeitar princípios como a não discriminação, igualdade de tratamento e pluralidade de ideias.
Segundo Estela Aranha, advogada especialista em direitos digitais e ex-secretária de direitos digitais do Ministério da Justiça, as propostas representam um avanço no dever de cuidado das plataformas, refletindo preocupações levantadas anteriormente ao governo.
Entretanto, durante os debates, Aranha também expressou preocupações, alertando para o risco de se regular tecnologias específicas de forma excessiva, o que poderia tornar o trabalho da Comissão rapidamente obsoleto. Ela ressaltou a importância de avaliar se os instrumentos legais existentes são suficientes para lidar com os desafios das novas tecnologias digitais.
Enquanto isso, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, está em análise o Recurso Extraordinário que discute a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. A Procuradoria-Geral da República sugeriu uma mediação entre a responsabilidade das plataformas na moderação de conteúdo e a garantia da liberdade de expressão, em uma revisão de sua posição inicial. Entidades como a Associação Brasileira de Internet, por outro lado, defendem a constitucionalidade do referido artigo.
Essas movimentações refletem o intenso debate em torno da regulação das plataformas digitais no Brasil, com interesses diversos em jogo, desde a proteção dos direitos individuais até a garantia da liberdade de expressão e a segurança no ambiente online. O desfecho dessas discussões terá um impacto significativo na forma como lidamos com a internet e suas plataformas no País.
Europa na dianteira
Já está em vigor desde março na Europa, uma lei que regulamenta a atuação das big techs, também em um viés concorrencial, que tem condições de lastrear globalmente.
As novas regulamentações da UE forçam mudanças em alguns dos produtos tecnológicos mais utilizados no mundo, incluindo a loja de aplicativos da Apple, as plataformas de busca do Google e até o WhatsApp.
A União Europeia também lidera os esforços de regulamentação no tangente à inteligência artificial, algo que o Brasil já se debruça, mas ainda timidamente.