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Dar poder de escolha faz parte do estímulo à leitura do adolescente, diz Vivianne Fair

Referência no gênero da fantasia, quadrinista e formada em artes plásticas, a autora defende revisão da obrigatoriedade dos clássicos na escola e se diz “chocada” com diminuição da importância das HQs

Redação Culturize-se

Você talvez não tenha ouvido falar de Vivianne Fair, mas ela já foi publicada 16 vezes e é uma referência na literatura infanto-juvenil brasileira no gênero da fantasia. Ela publicou recentemente mais uma obra, “O Legado do Dragão”, que recebeu o prêmio Wattys e foi selecionado pela seletiva Best Seller de André Vianco. Autora da trilogia “A Caçadora”, que em breve vai virar um jogo, Vivianne é formada em Artes plásticas, cursa pós-graduação de Modelagem 3D e Animação, atua como ilustradora, quadrinista, roteirista, cantora, escultora e professora de mangá e inglês.

Ela põe essa polivalência à prova nesta entrevista ao Culturize-se, em que fala de seu novo livro, claro, mas da importância de estimular o hábito da leitura entre os jovens, a maior garantia de futuro que se pode desejar. Além de fazer uma defesa contundente da HQ como literatura.

A autora Viviane Fair | Foto: divulgação

Culturize-se: A gente sabe que deve ler para uma criança, mas como fazer com um adolescente?

Vivianne Fair: Acredito que primeiro deve-se encontrar o que interessa ao adolescente. É música? Esportes? Amizades? Romance? Que tipo de filme ele se interessa mais? Depois procurar livros que abordem esse tema e sugerir uma leitura conjunta, por exemplo. É importante nunca forçar ou pressionar o adolescente. Pode começar com uma brincadeira, uma disputa ou até mesmo um desafio. Motivar o adolescente ao invés dele sentir que é uma obrigação é a melhor maneira de fazer com que ele se aproxime da leitura.

Culturize-se: Adolescentes parecem responder melhor a gêneros como romance e fantasia. A que você atribui esse fenômeno?

Vivianne Fair: Às vezes nossa vida parece um pouco exaustiva e emocionalmente estressante. Uma fuga da realidade alivia nossa mente e nos relaxa um pouco. Com os adolescentes isso não é diferente. Existe uma cobrança muito grande nos jovens hoje em dia, e muitas vezes eles não têm um suporte emocional para aguentar tanta pressão. Uma fuga para os livros, mesmo que por pouco tempo, já traz uma alegria e um alívio das dificuldades que passam tanto em relação às suas mudanças quanto à pressão de grupos, estudos e relacionamentos.

Culturize-se: A obrigação de ler livros, os chamados clássicos da literatura nacional, na escola joga contra ou a favor? Por quê?

Vivianne Fair: Contra. Sou professora e não foram poucas vezes que escuto os jovens reclamando dos livros. Já está na hora de colocarmos novos livros, na minha opinião. Quando os jovens têm a opção de escolher o que querem ler, percebo que isso os impulsiona, porque é uma escolha feita por eles. Podem optar por clássicos, por fantasia, por comédia; o importante é que busquem o que realmente os atrai. Muito jovens acabam perdendo o apreço por literatura nacional por considerar ela fora da sua atualidade e realidade muitas vezes. Gosto de alguns clássicos, mas fiquei mal com muitos outros, livros que nem sequer eram apropriados para minha faixa etária na época.

Culturize-se: Como é escrever para esse público? Como é o seu processo? 

Vivianne Fair: Eu brinco dizendo que eu penso como adolescente e ajo como uma. Estou sempre rodeada deles e não foram poucas às vezes que me contaram coisas que nem seus pais sabiam. Eu consigo entender a dificuldade que passam (na maior parte das vezes) e como eles querem se sentir parte de algo.

Meu processo é sempre imaginar primeiro como seria a história, depois dividi-la em pequenos fragmentos de capítulos. Aos poucos vou aumentando cada capítulo com novos fragmentos ou sendo obrigada a mudá-los completamente porque os personagens seguiram uma linha diferente na minha mente. No entanto, procuro sempre pensar no meu público, o que seria ou não atraente para eles na história. 

Culturize-se: Como surgiu o conceito de “O Legado do Dragão”? 

Vivianne Fair: Essas ideias sempre surgem quando não estou fazendo nada que demande muito pensamento… Ou durante o banho, ou escovando os dentes, ou lavando a louça… Quando comecei a pensar sobre “O Legado do Dragão”, comecei a pensar em como seria se na verdade os dragões fossem apenas seres incompreendidos e já que existem tantas teorias de que os aliens vivem em nosso meio, oras, por que então os dragões não? A ideia começou a correr solta e em breve eu já estava escrevendo o roteiro. 

Culturize-se: E essa polêmica de “HQ não é literatura”, o que você acha disso? 

Vivianne Fair: Nossa, fiquei é chocada. Esse povo não tem mais do que reclamar, não? Só sei que a razão pela qual eu queria aprender a ler desesperadamente com 4 anos era porque eu queria ler a coleção enorme de gibis do papai. Depois os gibis ficaram mais complicados, minha imaginação começou a fluir mais rapidamente e comecei a procurar por livros e mais livros. Se não fosse as HQs, talvez eu nunca tivesse entrado nesse reino encantado. Quem diz algo assim é porque nem pensou no impacto que uma HQ causa na vida de uma criança e como isso pode instigar sua imaginação.

Culturize-se: Os gibis, portanto, ajudam a desenvolver o apreço pela leitura e por diferentes tipos de linguagem, certo?

Vivianne Fair: Como eu disse, eu não acredito que teria entrado no mundo da literatura se não fosse pelas HQs. Para mim, as HQs não passam de livros com muitos desenhos. Dá para se limitar quantas ilustrações podem ter uma história? Mesmo que as ilustrações pareçam limitar a imaginação, para mim elas dão asas ainda maiores, porque acabamos por colocar os personagens em nossas vidas. Quem nunca quis ser o Superman, Batman, Homem Aranha, Mulher Maravilha e ter super-poderes, ou ter uma turma como a Turma da Mônica ou ter um amigo tão real quanto o Haroldo, o bicho de estimação do Calvin? Quem nunca se sentiu como o Menino Maluquinho às vezes?

O fato é que as ilustrações aproximam as crianças das histórias e elas nos encantam como qualquer livro. Depois disso fica fácil entrar no mundo da imaginação e começar a nos envolver com novos tipos de história e linguagens diferentes como audiolivros, por exemplo. Eu mesma comecei a escrever por causa dos gibis. Se até a música nos faz sonhar, como podemos limitar uma forma de arte tão significativa sobre o que ela é ou não é e ponto final?

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