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Psicologia e sonhos se relacionam para além do mero significado

Os sonhos ainda são um mistério para a ciência, mas algumas vertentes da psicologia os utilizam como ferramenta em prol do bem-estar do próprio sonhador

Por Ana Carolina Pereira

O sono é um processo natural em que acontece uma redução da consciência e das atividades corporais. Ele é dividido em sono não-REM, que apresenta características e quatro estágios diferentes – que determinam a desconexão do cérebro do mundo externo e o sono mais profundo – e o sonho REM, onde acontecem os sonhos.

A ciência ainda não desvendou todos os mistérios do sono e do sonho, mas já se chegou à conclusão de que ambos são essenciais para o organismo humano. Denise Gimenez Ramos, professora doutora do programa de pós-graduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), conta, inclusive, que pesquisas já apontaram que sonhar chega a ser mais importante do que o próprio dormir.

“No experimento, algumas pessoas eram acordadas quando estavam sonhando – processo identificado pelo monitoramento das ondas cerebrais – e outras quando estavam dormindo. Aquelas que tiveram o sonho interrompido não conseguiram mais dormir, alucinaram e passaram muito mal durante o dia, ficando irritadiças e dissociadas. Já quem foi despertado em outros estágios do sono não apresentou problemas tão sérios.” diz. “Dormir é um ato importante porque é o momento de higienização do cérebro e o sonhar tem participação crucial nesse processo”.

Foto: Pixabay

O mistério do sonhar

Ana Luiza Tavares, coordenadora de psicologia da plataforma de saúde integrada e digital Conexa, relata que, na história da humanidade, a tentativa de compreender os sonhos passou por diversas transformações.

“Na antiguidade, os sonhos eram vistos como presságios místicos e até divinos. Com o surgimento do pensamento filosófico, eles passaram a ser pensados como uma relação da pessoa com meio externo e os estudos dos sonhos ganham destaque com uma obra conhecida do pai da psicanálise, Sigmund Freud, “A Interpretação dos Sonhos”, de 1900, que descreve a afirmação de que os sonhos são um meio de realizar aquilo que é desejado, mas não seria permitido à pessoa ou pela pessoa de forma consciente. O sono, então, serviria como um guardião do sonho”, afirma.

No livro, aponta Denise, Freud descobriu, por meio dos sonhos, as neuroses de suas pacientes e mostra que o conteúdo reprimido apresentado – que pode ser sexual, de raiva ou dor – precisava vir à tona porque era causador de sintomas. Por isso, passou a interpretá-lo.

“Ele abriu a porta para a compreensão profunda da psique humana e interpretação dos sonhos. Carl Gustav Jung, que foi o seu discípulo, deu continuidade à obra do Freud e também achava importante a análise dos sonhos, mas foi além: teorizou que o sonho não é composto apenas de material reprimido, mas uma fonte enorme de conhecimento. Nosso cérebro capta informações o dia todo e a consciência não se dá conta de tudo que é registrado. Esse material, então, volta em sonho e, muitas vezes, nos dá respostas importantes”.

Como exemplo, a doutora explica: imagine que há um problema que precisa ser resolvido, mas não se sabe como ou um dilema de vida importante. O sonho pode ser a resposta para o que já está sendo formulado no inconsciente, mas que ainda não veio à tona.

“Uma paciente, uma vez, não sabia se deveria se casar ou não. Um dia, sonhou que alguém tentava colocar uma aliança em seu dedo, mas o anel não entrava, porque a mão estava deformada. Ao analisarmos aquele sonho, entendemos que a resposta era clara: a aliança não cabia na mão dela, não era a decisão acertada”.

Os sonhos, segundo ela, também podem aumentar a criatividade e trazer respostas menos simbólicas. Inventores descobriram questões a partir de sonhos e pintores e escritores foram inspirados por eles. É por esse grande poder que os sonhos vivaram um instrumento de análise e terapia.

Os sonhos na análise

Ana Luiza reforça que tudo aquilo que é dito pelo paciente deve ser compreendido dentro do processo de psicoterapia, desde o que motiva a pessoa a procurar o atendimento, como a maneira que ela lida e verbaliza suas questões e o mesmo é válido para os sonhos.

“Via de regra, tudo aquilo que o paciente leva para o diálogo da terapia é instrumento para o processo terapêutico, não é diferente com os sonhos, porém cada profissional de psicologia tem por bússola olhar para o relato dos sonhos pela ótica do significado para o paciente”, comenta.  

Não são todas as vertentes da psicologia, porém, que utilizam o sonho como ferramenta de análise. “Nem todas as abordagens psicológicas acreditam ou levam em consideração o inconsciente. A linha Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), por exemplo, ou a linha Behaviorista, se interessam só pelo comportamento e têm como objetivo mudá-los. Então, não abrem espaço para os sonhos”, conta Denise.

As áreas que mais estudam os sonhos são, então, a psicanálise de Freud e a análise junguiana, apesar de alguns psicólogos que não trabalham com essa vertente serem também capazes de fazer essas interpretações. “É importante mencionar, porém, que nem todos os profissionais de psicologia foram treinados para interpretar os sonhos, vai depender muito da formação e da habilitação proveniente de aprofundamentos e especializações”, acrescenta a especialista.

Foto: Pixabay

Google como interpretador de sonhos

Se nem todo profissional da psicanálise é habilitado a analisar sonhos, o que dizer, então, das interpretações genéricas que são encontradas facilmente pela internet? Para Denise, essas informações não precisam, necessariamente, ser descartadas, mas é preciso entender o contexto.

“Cada sonho tem o simbolismo que interpreta o próprio sonhador. Esses significados genéricos são descolados dessa realidade. Se eu sonho com borboleta e vou ver na internet o que isso quer dizer, o resultado pode ser até interessante. Mas o que é borboleta para mim? O que significa na minha história, nas minhas vivências? Eu já tive alguma experiência – significativa ou não – com borboletas? O que me vêm à mente quando penso nesse tipo de inseto, eu tenho algum medo, alguma admiração? Tudo isso deve ser colocado em perspectiva na análise”, ensina.

A professora diz que até as próprias pessoas podem ser analistas de seus próprios sonhos sozinhas – e posteriormente, levar essas informações à análise para maior efetividade. Ela indica que o primeiro passo é criar o hábito de anotar os sonhos todos os dias. “O conselho que dou é deixar um caderninho ao lado da cama e, assim que acordar, ainda sem estímulo externo nenhum, ou o menor possível, anotar tudo o que vem à mente, todas as lembranças dos sonhos. Dessa forma, a pessoa vai fixando o conhecimento que veio do fundo do inconsciente e, conforme vai lendo e relendo esses relatos, acaba descobrindo informações sobre o passado e até projeções sobre o futuro que podem ser muito relevantes para a sua história. Não é fácil analisar tudo sozinho. Mas é possível aprender a ouvir os sonhos e utilizá-los para benefício próprio”.

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