Edson Aran
Gostar de alta cultura é fácil. Basta falar de Jazz, Borges e Nouvelle Vague para ser bem recebido em qualquer rodinha. Difícil mesmo é demonstrar apreço pela baixa cultura, que não dá prestígio e nem impressiona. Mas eu ensino como.
Autoajuda
Como ler autoajuda sem sentir culpa. Primeiro, o gênero pode tranquilamente se disfarçar de filosofia, o que é ótimo para angariar simpatia. Especialmente quando a coisa é praticada pelo Mário Sérgio Cortella-a-a. E ele está ce-e-erto-o, pois tudo, afinal, é autoajuda, incluindo a religião e a ideologia-a-a. O maior autor do segmento é o alemão Karl Marx, cujos aforismos poderiam ser perfeitamente reunidos num livrinho chamado “Como o comunismo pode mudar sua vida”.
Você acha que é deboche, né? Então decida o que é consciência social e o que é consciência pessoal nas seis frases que seguem:
- Trabalhe para uma causa, não por aplausos.
- Eu não sou o que aconteceu comigo, eu sou o que decidi me tornar.
- Eu sou forte porque fui fraco, não tenho medo porque tive medo.
- Acorde com determinação, vá para a cama com satisfação.
- Cerque-se de pessoas que te fazem feliz. Pessoas que te fazem rir, que te ajudam quando você está precisando. Pessoas que realmente se importam.
- Eu não sou nada, mas devo ser tudo.
Lembre-se: sem uma atitude positiva, não se consegue nem pegar um über, quanto mais liderar uma revolução socialista.
Sertanejo
É um gênero musical muito mais rebelde que o rock’n’roll. Olha só: antigamente, no reino do patriarcado, todos os cantores eram cornos conformados. Agora, sob o #MeToo e o Novo Feminismo, todos viraram pegadores inveterados. Não dá pra ser mais subversivo do que isso.
As rimas são simples, mas trazem verdades profundas: “Roça, roça em mim, roça, roça em mim, tiro o chapéu e a bota e te boto gostosim, te boto, te boto, galopando gostosim”. (Luan Pereira, Ana Castela e Zé Felipe, “Roça em Mim”) No sertanejo é aceitável laçar mulheres na Festa do Peão e desfilar na porta do quartel com uma bandeira amarrada no pescoço. Afinal, quando se escuta essas belas canções, você é magicamente transportado a um tempo que não existe mais: a vida boa na roça, o pé atolado na bosta e a morte por esquistossomose antes dos 40 anos.
Standup
É impossível comentar o humor brasileiro contemporâneo sem mencionar o standup, embora seja possível comentar o standup brasileiro contemporâneo sem mencionar o humor.
Mas isso é coisa de gente invejosinha que não consegue monetizar a gracinha.
Se você não quer virar crente, o standup é a coisa mais parecida com um culto que você pode assistir, com exceção, é claro, de uma palestra do Cortella-a-a. A diferença é que ninguém vai passar a sacolinha para recolher doação.
O standup também é uma ótima oportunidade para ver um homem adulto reclamando da mãe. Melhor do que isso, só se você for psicanalista e o cara pagar para reclamar da mãe.
O standup se alicerça em observações sobre a banalidade do quotidiano, como se o comediante fosse comentarista de pesquisa eleitoral. Mas a maior contribuição do gênero é revelar como é a vida dos pobres. 90% do standup é sobre isso e o 10% que sobra é elitista e não merece atenção. O problema é que de tanto falar em pobreza, o comediante enriquece, compra um jatinho, perde autenticidade e aí o show fica pobre, pobre.
(Resposta para o teste da autoajuda. Consciência Social: 2,5,6. Consciência Pessoal: 1,3,4)