Maria Callas enxerga as dores de ser artista

Pablo Larraín encerra sua trilogia sobre mulheres do século XX com um estudo intrincado de como arte e vulnerabilidade se bifurcam. “Maria Callas” dá, ainda, a Angelina Jolie um grande momento no cinema

Redação Culturize-se

Maria Callas, a soprano mais aclamada do século XX, e Angelina Jolie, uma das atrizes mais talentosas e comprometidas de nossa época, unem-se de maneira transcendente no filme “Maria Callas”, dirigido por Pablo Larraín e que estreia nos cinemas brasileiros em 16 de janeiro. Este retrato cinematográfico captura os últimos dias da lendária cantora e destaca a profunda conexão entre arte, vida e vulnerabilidade.

Angelina Jolie, reconhecida tanto por seu trabalho no cinema quanto por seu ativismo humanitário, encontrou no papel de Maria Callas um desafio à altura de sua carreira. “As pessoas tinham muitas opiniões sobre ela”, reflete Jolie em entrevista ao Deadline, que viu na soprano uma figura multifacetada, marcada por traumas, paixões e uma incansável dedicação à sua arte. Jolie encarou o papel com uma responsabilidade inédita, consciente da importância de proteger o legado da cantora e de transmitir sua complexidade.

O filme “Maria Callas” se passa em 1977, em Paris, explorando os últimos momentos de Callas. A narrativa não segue uma linha biográfica convencional; em vez disso, oferece um mergulho nas memórias e reflexões de Callas sobre sua vida e carreira. Por meio de flashbacks, conhecemos sua juventude na Grécia ocupada pelos nazistas, sua descoberta da voz que encantaria o mundo, os desafios de uma relação conturbada com a mãe e as pressões que enfrentou como “diva exigente”. Esses elementos são habilmente entrelaçados com o conturbado romance com Aristóteles Onassis, que a deixou marcada por uma dívida emocional.

A escolha de Pablo Larraín para dirigir “Maria Callas” não poderia ser mais acertada. Conhecido por explorar ícones femininos do século XX em filmes como “Jackie” (2016) e “Spencer” (2021), Larraín traz uma abordagem sensível e inovadora à vida de Callas. Ele foca não apenas em sua grandeza pública, mas também em suas lutas privadas, criando um retrato que humaniza a soprano sem diminuir sua aura mitológica. Para Larraín, Angelina Jolie foi a única escolha possível para dar vida a Callas. “Este filme não existiria sem ela”, afirma o diretor, destacando o compromisso e a coragem da atriz.

De fato, Jolie oferece uma identificação pungente e cativante com Callas e contribui decididamente para a visão de Larraín, que, em última análise, objetiva observar o custo emocional da fama – e da arte – e como uma mulher que abraça a sua vulnerabilidade reage a todo esse quadro.

Em busca de Maria

Angelina Jolie mergulhou de corpo e alma na personagem. Apesar de não ter experiência prévia em canto, ela encarou o desafio de interpretar algumas das mais icônicas árias de Callas. Jolie passou meses em treinamento vocal, buscando compreender não apenas as técnicas, mas também o significado emocional de cada peça. Nas cenas que retratam os últimos anos de Callas, a voz de Jolie é predominante, enquanto nas performances do auge da carreira da soprano, uma mistura de suas vozes foi utilizada, criando uma ilusão auditiva impressionante. Para Jolie, este foi um dos desafios mais intensos de sua carreira. “Cantar é como expor a alma”, confessa.

Pablo Larraín orienta Angelina Jolie no set de “Maria Callas” | Fotos: Divulgação

Callas não era apenas uma cantora; era um fenômeno cultural. Nascida em Nova York em 1923, filha de pais gregos, ela cresceu na Grécia, onde desenvolveu seu talento no Conservatório de Atenas. Sua carreira decolou aos 17 anos, quando fez sua estreia profissional, e, aos 21, já era uma sensação internacional. Sua voz era descrita como inigualável, combinando potência, técnica impecável e emoção crua. Contudo, sua trajetória não foi isenta de desafios. Callas enfrentou problemas de saúde que afetaram sua voz e, eventualmente, levaram à sua aposentadoria. Fora dos palcos, sua vida pessoal era marcada por relações conturbadas, que muitas vezes eclipsavam suas conquistas artísticas na mídia.

O legado de Callas transcende gerações. Ela redefiniu o que significava ser uma artista, elevando o padrão para performances operáticas e abrindo caminho para interpretações mais humanas e apaixonadas. Sua capacidade de transmitir emoções profundas por meio da música ressoa até hoje. Como destaca uma das cenas do filme, “Não há melodia bonita feita de felicidade”. Essa frase encapsula a essência de sua arte: uma expressão da complexidade e beleza das emoções humanas.

“Maria Callas” não é apenas um tributo à soprano, mas também uma reflexão sobre o que significa ser um artista. O filme celebra a coragem, a disciplina e a paixão que definem aqueles que se dedicam à arte, mesmo quando enfrentam adversidades. Para Angelina Jolie, essa experiência foi transformadora. Ela descreve sua colaboração com Larraín como uma jornada de confiança e respeito. “Se você confia, pode dar tudo de si”, afirma.

Larraín, por sua vez, enfatiza o “perigo” da verdadeira arte — a disposição de abraçar a vulnerabilidade, confrontar medos e ultrapassar limites criativos. Essa entrega foi essencial para concretizar sua visão de “Maria Callas”. O diretor acredita que o cinema não deve apenas recriar eventos históricos, mas capturar o espírito das pessoas que os viveram.

O elenco de apoio também contribui para a profundidade do filme. Kodi Smit-McPhee, Alba Rohrwacher, Pierfrancesco Favino e Valeria Golino complementam a narrativa com atuações que iluminam diferentes aspectos da vida de Callas. No entanto, é Jolie quem carrega o peso emocional e narrativo da produção, aparecendo em quase todas as cenas e trazendo à vida a complexidade de uma mulher que viveu intensamente entre o público e o privado.

Leia também: “Babygirl” resgata erotismo pulp dos anos 90 enquanto examina a psique da mulher poderosa do século XXI

O filme já gerou burburinho significativo, com Jolie recebendo uma indicação ao Globo de Ouro por sua interpretação. Críticos destacam a elegância e o magnetismo de sua performance, bem como a sensibilidade de Larraín em abordar a vida de Callas.

Por meio de “Maria Callas”, Angelina Jolie e Pablo Larraín oferecem um tributo à altura de La Divina. O filme não apenas celebra o legado da soprano, mas também nos lembra do poder da arte em revelar as verdades mais profundas da condição humana. Assim como Callas transformou a ópera, Jolie e Larraín tateiam a própria essência de suas angústias e conquistas.

Deixe um comentário