Reinaldo Glioche
“Um Homem Diferente”, de Aaron Schimberg, em cartaz nos cinemas brasileiros, é uma das obras mais ricas e estranhas de 2024 — um filme sobre um homem que muda radicalmente sua aparência e sua vida, mas se vê atormentado pelo sucesso de alguém que se parece exatamente como ele costumava ser. É uma obra complementar perfeita para “A Substância”, outro filme perturbador de 2024 em que uma mulher dá vida a uma versão melhorada de si mesma apenas para entrar em conflito com ela. No entanto, a abordagem de Schimberg é mais engraçada e pé no chão, ancorada em performances críveis e em uma situação tão fundamentada na realidade quanto no fantástico.
Sebastian Stan, que teve um ano excepcional e está duplamente indicado ao Globo de Ouro, por este filme e por sua interpretação de Donald Trump em “O Aprendiz”, interpreta Edward, um ator com tumores faciais significativos que vive isolado até começar a conhecer sua nova vizinha Ingrid (Renate Reinsve, de “A Pior Pessoa do Mundo”). Após um tratamento revolucionário para neurofibromatose, Edward ganha um novo rosto, assume uma nova identidade e encontra sucesso em todos os aspectos de sua vida, exceto em seu relacionamento com Ingrid — especialmente quando um homem incrivelmente popular e carismático chamado Oswald (Adam Pearson, de “Sob a Pele”), que se parece exatamente como Edward costumava ser, entra em suas vidas.
Como muitos filmes sobre doppelgängers (“Dual”, “O Homem Duplicado” e “Cam” vêm imediatamente à mente), “Um Homem Diferente” explora o horror de confrontar uma versão mais bem-sucedida de si mesmo, representando caminhos não trilhados e escolhas não feitas. No entanto, diferentemente da maioria desses filmes, o longa de Schimberg é surpreendentemente engraçado, quando não trágico ou assustador.
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Dissociação
É interessante que se “A Substância” se ocupa de uma mulher que percebe estar sendo descartada pela sociedade ao envelhecer, “Um Homem Diferente” flagra um homem que nunca se sentiu parte de uma sociedade. Ambos ambicionam uma versão melhor de si, mas quando elas chegam, desnorteadoras, são impactados emocional e psicologicamente por escolhas cumulativas e que os degradam profundamente em foro íntimo.
Se “A Substância” se vale do body horror, “Um Homem Diferente” investe no humor como bússola de uma narrativa que nunca se acomoda em sua zona de conforto – uma inquietude que aproxima ainda mais esteticamente os dois filmes.
No âmago, os dois filmes observam como o self pode ser desestabilizador. Entre a desconstrução da hora final de “A Substância” e a construção de todo um novo self por Edward, em “Um Homem Diferente”, para finalmente colidir com uma versão melhor de seu antigo “eu” cristalizam-se inferências poderosas no campo do cinema que se pretende reflexivo e estimulante de um debate mais amplo e permanente.