Primeiro longa de Celine Song, “Vidas Passadas” foi aclamado nos festivais de Sundance e Berlim e é aposta forte para o Oscar 2024 com toda a justiça
Por Reinaldo Glioche
De tempos em tempos surge um filme capaz de dialogar com o pessimismo inerente ao romantismo, uma condição que voluntariosamente negligenciamos. “Encontros e Desencontros” (2003), “Ela” (2013) – esses dois intrinsecamente ligados pelo fato de terem sido feitos por ex-amantes – e “La La Land” (2017) são os exemplares mais significativos do século XXI. Essa galeria agora recebe “Vidas Passadas”, filme de estreia de Celine Song que arrebatou audiências nos festivais do começo do ano e é uma aposta segura para a categoria de Melhor Filme no próximo Oscar, além de boas chances em Direção, Atriz e Roteiro Original.
O filme gira em torno de Nora (a sensacional e hipnótica Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo), dois amigos de infância profundamente conectados que se separam depois que ela imigra com a família para o Canadá. Pulamos uma década no tempo e testemunhamos um reencontro remoto, algo desastrado com um misto de entusiasmo e hesitação. Mais dez anos e o reencontro agora é presencial, em Nova York, e com uma avalanche de sentimentos na bagagem. Amores, desamores, escolhas e renúncias serão confrontados ao longo de uma semana em que Sung estará na cidade em que Nora agora vive.
Song investiga as convicções de sua protagonista com afinco, mas sem perder a ternura, e reveste seu filme de beleza – e a beleza aqui nem sempre é solar, radiante ou contagiante – e sentimento. É possível se identificar com os três personagens centrais da trama. Além dos dois amigos quase amantes, há um terceiro vértice na figura do marido de Nora, um tipo simpático que naturalmente se sente ameaçado com a presença de Sung.
Dessa ciranda de afetos e possibilidades, Song talha um filme sobre os estrangeirismos da existência. Da saudade do que não foi vivido à melancolia das escolhas postas, “Vidas Passadas” é muito eloquente nos arranjos dramáticos que observa, nas potencialidades que alinha, nos silêncios que acompanha e à guisa de irresoluções que permeiam as resoluções dos personagens, se resolve tanto um alento intelectual como um ardil emocional para românticos e práticos.
“Vidas Passadas”, pela maneira doce, e ainda assim incrivelmente inteligente, com que aborda o compasso das relações amorosas na suscetibilidade da vida, se fia como um dos grandes filmes de 2023.