Tom Leão
Estava arrumando gaveta dos trecos eletrônicos diversos (Walkmen, MDs etc), quando me deparei com um iPod no meio das coisas. Não era nenhum da primeira geração (achava aquilo um HD de bolso, muito trambolho), nem um mais moderno, de toque (os últimos a serem fabricados). Era um mini, que cabia no bolso, do tamanho de um chiclete, com robustos 16g de armazenamento. Pluguei nos fones de ouvidos e deixei rolando, enquanto continuava arrumando. Este, também tem rádio FM.
Enquanto ouvia, rolaram músicas de discos lançados, sobretudo, entre 2001 e 2012, década na qual praticamente reduzi a zero a compra de mídia física, já que a ‘onda’ do MP3 estava no auge; e, além do iTunes (pago) havia zilhões de arquivos em sites gratuitos. Desfilaram músicas de Kaiser Chiefs, Bloc Party, Ladytron, Arcade Fire, Yeah Yeah Yeahs etc. Por um momento, parei e pensei: curioso, tenho todos estes discos aqui ‘dentro’, mas, quase nenhum deles em CD ou vinil. Parei e pensei no assunto por alguns minutos já que, desde sempre, costumo ter os discos dos artistas que curto. Mas, nessa, digamos ‘geração MP3’, rolou um grande hiato.
Curiosamente, na mesma semana, apareceu no meu feed de notícias, um artigo da ‘Esquire’, falando sobre uma certa ‘geração deletada’. Exatamente esta, na qual eu estava pensando. O autor da matéria, Dave Holmes (não confundir com o DJ e produtor homônimo) comentava que, se lembrava dos discos (vinil) que comprou até certa altura dos anos 90, que depois passou a ‘queimar’ em CD-Rs para dar de presente para os amigos (a ‘mixtape’ moderna, embora não seja uma fita em si, emulava os cassetes de outrora). Tinha tudo na memória. Eu, também me lembro de onde comprei cada um deles!
Holmes diz que (como eu), se lembra de cada disco e cada faixa favorita dele; já que, os discos, eram manipulados, a gente comprava os álbuns, ouvia faixa a faixa, repetia. Mas, quando parou para pensar sobre qual é o seu disco ou música favorita, ali da metade dos anos 00, dá um branco (idem aqui comigo, com raras exceções). Justamente porque, foi aí, que passamos a consumir faixas avulsas de MP3 aos montes. E o conceito de ‘álbum cheio’ foi quase que totalmente deixado para trás. E eu, acrescento que: foi aí, que voltamos ao conceito original de single, da faixa única, comprada a US$0,99, como os compactos simples de vinil, que tocavam nas jukebox (aquelas máquinas de tocar música), nos tempos de nossos pais e avós.
Depois, Holmes fez uma lista de artistas que ficaram perdidos nesta ‘década deletada’ — para ele, entre 2002-2013 –, todas estão jogadas e esquecidas dentro de algum HD de um PC, laptop ou iPod, já descartado ou trocado por algo mais atual. Por conta disso, o trabalho destes artistas é lembrado avulsamente, não como recordamos (os maiores de 40 anos) de álbuns conceituais de U2, Depeche Mode, ou indo mais para trás no tempo, de Beatles, Led Zeppelin ou Pink Floyd.
Não há como lembrar de nomes do rock clássico sem associá-los a um grande disco, e até mesmo a capa destes. Já essa geração, a que veio de uns dez, quinze anos para cá, será conhecida apenas por tracks solo, memorizados mais por seus shows ao vivo do que por outros meios. E muitas fotos! Hoje, já estamos em outra era, a da geração Spotify (o mais popular serviço de streaming de áudio, embora existam outros), que amplifica ainda mais esse conceito. Bach e Beatles, fazem parte do mesmo universo, na playlist de meu filho, junto com Legião e Titãs. É o algoritmo, ou a playlist, que te indica o que ouvir, na maioria das vezes. E, os acervos nestes serviços de streaming, não são completos. Como será que nossos filhos e netos irão se lembrar destes tempos? Não mais associarão a um álbum, talvez a um momento, se tanto. A música pop, nunca foi tão descartável como agora, lato sensu.