Mudança paradigmática ainda tem efeitos imprevisíveis, mas é possível dizer de pronto que nem todos serão positivos
Reinaldo Glioche
Não existe no âmbito da indústria do cinema, organização mais apedrejada do que a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, que durante anos organizou e outorgou os prêmios Globo de Ouro. Sem fins lucrativos, a entidade era rotineiramente acusada de privilegiar certos filmes e artistas em prol de favores não contabilizados para seus integrantes. Em outras palavras, a imprensa americana em grande escala acusava esses estrangeiros residentes nos EUA de serem corruptos. Tudo se agravou com as denúncias de abuso e racismo que se seguiram nos últimos anos. Todo esse aparato foi moldado por veículos de imprensa como Deadline, Rolling Stone, Variety e The Hollywood Reporter, as bíblias do entretenimento americano, que integram a Penske Media Corporation, que agora é dona da marca Golden Globes.
A conclusão do negócio foi anunciada na última segunda-feira (12) após a aprovação da Procuradoria Geral da Califórnia. O empresário bilionário e investidor Todd Boehly juntamente com a Dick Clark Productions, que há muito tempo produz os prêmios e é de propriedade da Penske Media, passam a possuir a marca, que passa a ser uma entidade com fins lucrativos. Embora a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood seja dissolvida, seus membros continuam empregados por essa nova empresa, com salário de U$ 75 mil anuais. Uma dissociação com compensação financeira de até U$ 225 mil está sendo elaborada.
A tarefa não muda. Esses jornalistas vão avaliar filmes e séries submetidos ao Globo de Ouro. O que muda então?
Vale um registro aqui. A Penske Media é sócia majoritária da A24, estúdio sensação e que, limpem o veneno, acaba de ter uma temporada daquelas nos prêmios de cinema nos EUA – e tudo começou no Globo de Ouro. Grande parte da receita publicitária de veículos como Variety e Dealine advém de anúncios para consideração em prêmios, os tais FYC. Isso tudo mais do que criar uma intrínseca e nebulosa teia de possíveis favorecimentos, mais do que a HFPA jamais sonhara, cria sérios questionamentos éticos para um prêmio que a própria imprensa norte-americana, fiada em muitos desses veículos da Penske Media, dizia ser aética.
O pouco que se sabe do futuro
Os recursos provenientes do acordo, juntamente com os recursos existentes da HFPA, serão transferidos para uma nova organização sem fins lucrativos chamada Golden Globe Foundation, que supervisionará as atividades filantrópicas. Ou seja, ainda que em uma proporção menor, as atividades filantrópicas vão continuar – até por serem amigas do fisco.
Um possível destino para a premiação é o streaming, já que os números na TV aberta andam de mal a pior e no streaming é possível controlar mais e melhor essa narrativa. Fato é que depois de 79 anos, a premiação, quiçá mais influente do cinema e TV, irá enfrentar uma reestruturação profunda, nebulosa e cujos efeitos não necessariamente seriam benéficos para a promoção e valorização da arte.