Brasileiros estão cada vez mais interessados em vinhos e a indústria de produção nacional está apostando em mais qualidade e menos quantidade
Por Ana Carolina Pereira
Entre os anos de 2010 e 2020, o Brasil dobrou o número de bebedores de vinho, chegando a quase 40 milhões, segundo dados da Wine Intelligence. Em 2021, esse número chegou a 51 milhões — muito impulsionado pela pandemia. Ou seja, mais de 35% da população adulta do país consome a bebida regularmente, uma proporção equivalente à dos Estados Unidos, porém ainda menor do que a média europeia.
Para Rui Alves, diretor da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS), o dado de consumo de menos de três litros per capita ainda pode ser considerado um número baixo. Mas é preciso entender também o contexto: a população passou a ter acesso e consequente interesse pela bebida apenas em um passado recente.
“Em 1990, o então presidente Fernando Collor de Mello possibilitou a importação de vinhos no país, que começou a ter mais variedade desse tipo de produto à disposição para a compra. Antes disso, a bebida já era apreciada, mas só existiam alguns rótulos, como os famosos vinhos de galão ou garrafão”, conta.
Variedade de rótulos e conhecimento sobre vinhos
Hoje, é possível encontrar nas gôndolas dos mais diferentes mercados produtos dos mais diferentes preços, as mais variadas uvas e países produtores. Dados da Ideal Consulting mostram que o Chile é o principal exportador de vinhos para o Brasil (42%), seguido de Portugal (18%) e Argentina — que responde por 90% das importações de Malbec, mantendo a liderança no ranking de rótulos preferidos e mais consumidos pelos brasileiros.
O mérito dessa variedade pode ser atribuído também, segundo Alves, às importadoras especializadas, que vêm fazendo um trabalho minucioso de seleção. “Essas empresas analisam o custo-benefício para entregar aquilo que o consumidor quer. Com isso, o mercado se ajustou, no sentido de que se você pode pagar R$ 50 por um vinho, qualquer um que escolha nessa faixa terá uma qualidade homogênea. É possível apostar em rótulos que estão à disposição, mesmo sem ter um conhecimento profundo”, ressalta o diretor da ABS.
Na mesma linha, funcionam os clubes de assinatura de vinhos. Por meio deles, o consumidor recebe uma quantidade predeterminada de garrafas por mês com rótulos selecionados por um especialista, que pode ser um sommelier ou enólogo, uma forma mais assertiva de testar diferentes sabores, com a vantagem de ter acesso a descontos, brindes e conteúdos complementares. São alguns exemplos de clubes o Evino, Vivino, Grand Cru e o Wine, que fechou 2022 com cerca de 335 mil assinantes.
Rui Alves ressalta que o universo dos vinhos pode ser complexo, assim como a gastronomia e a música, mas que basta haver o interesse e o gosto pelo produto para que se torne mais fácil navegar pelo mar de possibilidades que as uvas oferecem.
“Para quem realmente gosta de vinho, o atrativo é conhecer cada vez mais rótulos e se aprofundar no assunto. Na ABS temos diversos cursos, alguns deles mais longos e de formação, para quem quer ser sommelier, e também outros mais básicos, de introdução, que têm atraído o interesse dos apreciadores da bebida e que acabam sendo uma porta de entrada para se especializar cada vez mais”, afirma.
Mercado nacional
Outro ponto que vem chamando a atenção no mercado de vinhos é a produção nacional. Só em 2022, 70 rótulos brasileiros foram premiados no Decanter World Wine Awards, com destaque para o Sabina Syrah, da Sacramentos Vinifer, da Serra da Canastra, que atingiu 92 pontos na avaliação dos julgadores, alcançando a categoria Prata — junto a mais 15 rótulos nacionais.
Mas vale lembrar que não foi sempre assim. A indústria brasileira vem se desenvolvendo conforme o interesse do consumidor e, segundo Alves, tem acertado em aperfeiçoar os produtos, como a vinícola Salton, que hoje é dona de potentes espumantes e que começou fazendo conhaque, chalise e vinhos de mesa consumidos em cerimônias da igreja católica.
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Também as técnicas de viticultura foram sendo melhoradas com o passar do tempo, considerando o solo e as condições climáticas brasileiras. “O método de produção não favorecia a qualidade da uva. Havia muitas construções de colheita de uva por baixo do parreiral, que não pegava insolação, ficava na sombra e absorvia a umidade das chuvas da época da colheita. O resultado eram uvas pouco maduras, que davam um vinho mais ácido”, conta o especialista.
Com mais investimentos, principalmente na serra gaúcha, de mais de duas décadas, foram incorporados outros métodos, como o de espaldeira, um crescimento vertical, que favorece o cultivo do vinhedo. “Aos poucos, as técnicas vão se ajeitando e oferecendo melhores uvas. A descoberta mais recente, por exemplo, são os vinhos da serra da Mantiqueira, perto de Santo Antônio do Pinhal. O pesquisador Murilo Regina, da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG), começou a fazer experiências com dupla poda, que têm dado muito certo”.
Algumas vinícolas estão apostando em menores produções, mas de mais qualidade, e a tendência é que uma safra venha melhor do que a outra. “O padrão do vinho brasileiro hoje é muito melhor do que 20 anos atrás. Quanto a isso, não há dúvidas. Ainda assim, de dez rótulos encontrados nas prateleiras dos mercados, apenas um ou dois são vinhos brasileiros. A competição ainda é desleal. Mas a expectativa é que tanto o mercado nacional quanto o consumo de vinho dos brasileiros siga crescendo”.