Redação Culturize-se
Dormir oito horas por dia é frequentemente apresentado como um ideal universal para uma boa saúde, mas essa recomendação, ao mesmo tempo que é amplamente aceita, merece uma abordagem mais crítica e contextualizada. A ideia de um “número mágico” de horas de sono é tanto um reflexo de descobertas científicas quanto de construções históricas e culturais. Ao longo do tempo, os padrões de sono humano mudaram drasticamente, influenciados não apenas pela biologia, mas também pela organização social e pelos avanços tecnológicos.
O experimento do psiquiatra Thomas Wehr, em 1992, forneceu evidências intrigantes sobre a flexibilidade dos padrões de sono humano. Em um ambiente controlado de escuridão total por 14 horas diárias, os voluntários, após compensarem noites mal dormidas, estabilizaram seu sono em oito horas diárias, mas de forma bifásica: quatro horas de sono, seguidas por um período acordado de uma ou duas horas, e mais quatro horas de sono. Isso reflete um modelo comum na Europa medieval, onde o “primeiro sono” e o “segundo sono” eram amplamente aceitos. Esses padrões só foram abandonados com a Revolução Industrial, que padronizou as jornadas diurnas e popularizou a iluminação artificial.
Apesar de a ciência sugerir que oito horas representam uma média adequada de descanso, estudos também indicam que a necessidade de sono varia amplamente entre indivíduos e fases da vida. Enquanto crianças e adolescentes necessitam de mais horas de sono devido ao desenvolvimento físico e cognitivo, adultos e idosos podem se beneficiar de períodos ligeiramente mais curtos. Pequenos e grandes dormidores também desafiam a norma: uma pequena parcela da população funciona bem com menos de seis horas de sono por noite, enquanto outros precisam de mais de nove para se sentirem revigorados.
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A mecânica do sono
Independentemente da duração, a qualidade do sono é essencial. Durante o sono, o organismo realiza funções restauradoras cruciais, como o reparo de tecidos, o crescimento muscular e a consolidação da memória. O ciclo de sono completo é composto por fases distintas: do sono leve ao sono REM (movimento rápido dos olhos), cada estágio desempenha um papel vital na manutenção da saúde. Por exemplo, é no sono profundo que hormônios importantes, como o do crescimento, são liberados, e o sistema imunológico ganha força para combater infecções.
Por outro lado, a privação de sono traz consequências graves. Estudos associam noites curtas a um risco aumentado de obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, transtornos mentais e mesmo mortalidade precoce. Dormir menos de sete horas por noite pode triplicar a probabilidade de resfriados frequentes e elevar significativamente as chances de depressão. É importante observar que não é apenas a duração que importa: 65,5% dos brasileiros, por exemplo, relatam sono de má qualidade, muitas vezes devido a fatores como uso excessivo de dispositivos eletrônicos e falta de regularidade nos horários de dormir.
A higiene do sono é uma estratégia eficaz para melhorar a qualidade do descanso. Recomenda-se criar um ambiente adequado para o sono, com pouca luz e ausência de ruídos, evitar o uso de telas antes de dormir e estabelecer uma rotina regular. Essas medidas simples podem ajudar a reduzir a latência do sono e promover ciclos mais profundos e restauradores.
Curiosamente, a evolução também desempenhou um papel em nossos padrões de sono. Enquanto outros primatas dormem em média de nove a quinze horas por dia, os humanos modernos se destacam por precisarem de menos tempo para obter um sono eficiente. A hipótese é que, vivendo em grupos e compartilhando responsabilidades de vigília, nossos ancestrais puderam se adaptar a noites mais curtas sem comprometer a segurança ou o descanso.
Embora a ciência ofereça evidências robustas sobre os benefícios de se dormir bem, a definição de “oito horas” como ideal é apenas um ponto de partida. Em última análise, cada indivíduo deve observar suas próprias necessidades, priorizando a qualidade e os ciclos completos de sono. A combinação de um descanso adequado com uma boa higiene do sono é a chave para uma vida mais saudável e equilibrada.