Inteligente e empolgante, “Conclave” observa jogos políticos em meio à escolha do Papa

Por Reinaldo Glioche

Conclave

“Conclave”, de Edward Berger, um thriller de mistério adaptado do romance de Robert Harris de 2016, teve um impacto significativo tanto nas bilheteiras quanto na temporada de premiações deste ano. O filme, que mergulha nos intensos jogos políticos e traições nos bastidores da seleção de um novo papa, superou as expectativas, gerando US$ 30,5 milhões nas bilheteiras dos EUA após apenas cinco semanas de exibição. As projeções indicam que ele ultrapassará os US$ 40 milhões, um feito notável para um filme voltado para o público adulto, em uma era em que esse tipo de produção muitas vezes tem dificuldade em alcançar sucesso comercial.

A estratégia de lançamento atípica do filme, as críticas excepcionais e o forte boca a boca foram fatores-chave para o seu sucesso – que globalmente ainda será impactado pelas indicações ao Oscar. A estreia no Brasil, por exemplo, está agendada para 23 de janeiro para aproveitar esse buzz.

Ao contrário de muitos filmes voltados para o público adulto neste ano, que falharam em ressoar com os espectadores, “Conclave” desafiou as probabilidades. Enquanto outros filmes, como “Clube dos Vândalos” e “Todo Tempo que Temos”, não tiveram o desempenho esperado, “Conclave” conseguiu capturar a atenção dos cinéfilos mais velhos, com quase metade de seu público com mais de 55 anos.

Esse grupo demográfico, frequentemente sub-representado no cinema moderno, foi um fator crucial para o desempenho do filme. A distribuidora Focus Features optou por lançar “Conclave” em todo o país desde o início, evitando a estratégia de lançamento por plataformas e em cidades-satélites que costuma ser usada para filmes independentes. Essa decisão deu frutos, com o filme mostrando um crescimento consistente nas bilheteiras, apesar do cenário competitivo dominado por sequências e franquias.

De acordo com Lisa Bunnell, chefe de distribuição da Focus Features, o tema — uma visão dos bastidores do processo de seleção papal — cativou o público de forma semelhante ao fascínio que envolve a família real. Como Bunnell observa, a falta de dramas adultos atraentes para o público mais velho fez com que “Conclave” se destacasse como uma oferta rara, reacendendo a esperança de que mais filmes voltados para esse público possam ser bem-sucedidos.

Além de seu sucesso nas bilheteiras, “Conclave” também se consolidou como um forte candidato na corrida pelas premiações. O filme estreou com críticas entusiasmadas no Telluride Film Festival e depois ganhou prêmios do público em outros festivais, consolidando ainda mais seu status como um potencial indicado ao Oscar.

Seu cenário de alto risco no Vaticano, combinado com uma narrativa envolvente, oferece uma visão emocionante e acessível sobre a política religiosa. As performances do filme, especialmente as de Ralph Fiennes, Stanley Tucci e Isabella Rossellini, receberam elogios significativos, com Fiennes possivelmente a caminho de uma indicação ao Oscar por sua interpretação do cardeal Lawrence. Os papéis coadjuvantes e aspectos técnicos, como o roteiro de Peter Straughan, a cinematografia de Stéphane Fontaine e a edição de Nick Emerson, também elevam ainda mais a qualidade do filme.

Entre o thriller político e o filme político

A despeito do grande atrativo do longa ser essa espiadela por detrás das cortinas, sua força se sustenta na inteligência com que articula suas ideias. A robusta e cativante trilha sonora de Volker Betermann mantém a audiência em clima de suspense ao longo de toda a duração do filme.

Ralph Fiennes reveste seu cardeal Lawrence, um homem atormentado por dúvidas sobre a fé, mas regido por um código de ética que desponta como ingenuidade nesses tempos cínicos, de angústia e serenidade. Sua postura reflete com exatidão as peregrinações existenciais que tomam seu personagem.

A despeito da veia religiosa – e ela importa bastante – “Conclave” é um thriller político da melhor estirpe. As maquinações veladas, de bastidores e principalmente as ocultas – sejam as dos “vilões” ou dos “mocinhos” como o plot twit no final atesta – enrobustecem um drama que sabe exatamente o que quer provocar em sua audiência.

Edward Berger orienta Ralph Fiennes no set de “Conclave” | Fotos: Divulgação

Em seu final, o longa de Berger se configura como um filme político, mais ousado do que se supunha e que se mostra hábil em ensejar discussões pertinentes sem ser polemista.

O legado dos filmes com temática religiosa no Oscar é misto. Embora alguns sobre fé e a Igreja Católica, como “O Exorcista” e “Spotlight”, tenham recebido aclamação crítica e reconhecimento no Oscar, outros, como “Dois Papas” e “Silêncio”, não conseguiram alcançar sucesso generalizado. No entanto, a trama empolgante de “Conclave” e sua exploração instigante do poder e da moralidade podem dar ao filme uma vantagem na corrida deste ano, especialmente com o histórico da Focus Features de garantir indicações a Melhor Filme.

A combinação de engajamento intelectual, narrativa envolvente e performances excepcionais de “Conclave” faz dele um filme a ser observado à medida que a temporada de prêmios esquenta.

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