Redação Culturize-se
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“A Verdadeira Dor”, de Jesse Eisenberg, é um triunfo sutil, um filme que mistura com maestria comédia, tragédia e introspecção. O longa estreia nos cinemas brasileiros em plena temporada de premiações, em 23 de janeiro. Ambientado durante uma excursão de herança judaica pela Polônia, o filme aborda temas como conexão familiar, memória coletiva e as complexidades do sofrimento pessoal.
No cerne de “A Verdadeira Dor” está a história de dois primos, David (interpretado por Eisenberg) e Benji (Culkin), que enfrentam sua relação tensa e sua herança compartilhada. Após a morte da avó, eles embarcam em uma viagem por locais históricos do Holocausto, culminando na visita à cidade natal dela. O que se desenrola é uma jornada tanto física quanto emocional, enquanto confrontam seus passados, diferenças e os legados que os unem.
Eisenberg baseou-se profundamente em suas próprias experiências ao escrever e dirigir o filme. “Anna [Strout, esposa de Eisenberg] e eu fomos à Polônia em 2008 para ver de onde minha família veio”, explicou em entrevista ao Los Angeles Times. O casal visitou locais que mais tarde se tornaram centrais para a narrativa do filme, ancorando a história em uma combinação de história real e significado pessoal. “Visitar a cidade da minha avó me deu a oportunidade de explorar a perda — não apenas de pessoas, mas das conexões que nos mantêm unidos”, observou.
A dinâmica entre os primos é um dos pontos focais do filme. David incorpora responsabilidade e repressão, enquanto Benji canaliza caos e vulnerabilidade. Essa dualidade não é coincidência. Eisenberg comentou: “Inicialmente, escrevi a história sobre dois amigos com personalidades muito diferentes. Mas torná-los primos adicionou uma camada de obrigação familiar e tensão não resolvida que reflete muitos relacionamentos da vida real.”
Kieran Culkin, recém-saído de sua vitória no Emmy por “Succession”, entrega uma performance marcante como Benji, um homem à deriva após a perda da avó. Culkin descreveu em entrevista à MovieMaker Magazine seu personagem como alguém “com muitas questões ainda não resolvidas. Ele está desorientado sem os pilares da família”.
Culkin foi imediatamente atraído pelo roteiro. “Nas primeiras páginas, conectei-me com Benji”, disse ele. “Era tão bem escrito que pude sentir imediatamente a dinâmica entre os primos. Fiquei empolgado para explorar isso.”
Eisenberg elogiou a habilidade de Culkin em trazer nuances ao papel. “Kieran é um ator tão intuitivo e instintivo. Ele tornou Benji seu, dando profundidade e humor a um personagem que poderia facilmente ser unidimensional.” A química entre os dois atores é palpável, com a performance contida de Eisenberg contrastando perfeitamente com a energia imprevisível de Culkin.
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Equilibrando humor e História
Embora o enredo sugira um tom sombrio, “A Verdadeira Dor” encontra leveza em lugares inesperados. O roteiro de Eisenberg é rico em comédia centrada nos personagens, oferecendo momentos de humor que nunca diminuem a gravidade do tema.
“O humor é uma ferramenta poderosa”, explicou o cineasta. “Ele nos permite abordar tópicos difíceis de uma forma acessível. Mas nunca quis ensinar nada ao público ou fazer uma aula de história. Meu foco foi contar uma história envolvente que, por acaso, cruza com a História.”
O filme não evita confrontar os aspectos mais sombrios de seu cenário. Uma cena particularmente tocante envolve a reação visceral de Benji ao viajar de primeira classe em um trem polonês, um meio de transporte carregado de peso histórico. “As pessoas não podem simplesmente andar por aí felizes o tempo todo”, Benji desabafa, encapsulando a exploração do filme sobre como lidamos com a dor.
Além do humor, “A Verdadeira Dor” aborda questões profundas sobre memória e sofrimento. O grupo de excursão dos primos — um elenco diverso que inclui um sobrevivente do genocídio Tutsi (Kurt Egyiawan) e uma divorciada melancólica (Jennifer Grey) — funciona como um microcosmo de como diferentes pessoas enfrentam traumas.
A direção de Eisenberg brilha em cenas onde história e experiência pessoal colidem. A visita ao campo de extermínio de Majdanek, por exemplo, é um momento de devastação silenciosa, onde o peso do assassinato em massa industrializado torna as palavras insuficientes. É um contraste marcante com as cenas anteriores de brincadeiras no terraço e piadas irreverentes, enfatizando o choque emocional de confrontar um legado tão doloroso.
Críticos elogiaram a capacidade do filme de abordar esses temas com sensibilidade e nuance. “É um filme pequeno quase perfeito”, destacou uma crítica ainda em Sundance, onde o filme debutou. “Artístico sem ser pretensioso, e escrito de forma afiada, com uma sensibilidade delicada para ambivalência e ambiguidade.”
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Uma reflexão sobre família e sofrimento
No fundo, “A Verdadeira dor” é uma meditação sobre as complexidades da família. Primos ocupam um espaço único na hierarquia familiar — nem tão próximos quanto irmãos, nem tão distantes quanto amigos. Essa dinâmica é central para a exploração do filme sobre como os relacionamentos evoluem ao longo do tempo e são moldados pela história compartilhada.
Culkin descreveu essa tensão de forma eloquente: “Benji se sente abandonado. A morte de sua avó representa não apenas uma perda pessoal, mas o desfiar do último elo que o conecta à família. David, por sua vez, está preso em sua própria vida, lutando para reconciliar sua culpa e seu senso de responsabilidade.”
O título do filme, “A Verdadeira Dor”, encapsula seu tema central: a experiência universal do sofrimento e as diferentes formas como lidamos com ele. Eisenberg refletiu sobre essa ideia, dizendo: “A dor é uma realidade inescapável. A questão é: como a enfrentamos? Internalizamos, como Benji faz, ou tentamos superá-la, como David? Ou há um meio-termo onde podemos honrar nossa dor sem sermos consumidos por ela?”