Redação Culturize-se
A reputação de Amsterdã como um refúgio de hedonismo e liberdade tem encantado viajantes há décadas. Esse legado de uma Amsterdã mítica vive no trabalho da fotógrafa Lara Verheijden, cujos calendários de nus trazem uma visão contemporânea do encanto cru e não filtrado da cidade. Por meio de sua lente, Verheijden nos convida a reconsiderar noções de beleza, identidade e sexualidade, usando a nudez como uma tela para a autenticidade.
Cada calendário por ela assinado é uma exploração profundamente pessoal do caráter de uma cidade, refletindo seu povo, suas peculiaridades e sua relação com a nudez. Para Verheijden, a própria cidade se torna uma personagem em sua obra. Amsterdã, com seu passado marcado pela liberdade sexual, serve tanto como cenário quanto como musa.
O mito de Amsterdã
Verheijden acredita que a reputação de Amsterdã é tanto uma bênção quanto uma maldição. “Essa reputação vem dos anos 70, quando tudo era muito barato e tudo era possível”, diz em entrevista à Wallpaper. No entanto, a fantasia de uma Amsterdã sem inibições está cada vez mais em desacordo com sua realidade atual. “Quando estou no centro e vejo todos os turistas, sinto pena deles. Esta é a terra prometida para eles, e deve ser uma grande decepção”, admitiu. A imagem romantizada da cidade como um centro de libertinagem contrasta com a realidade mais sóbria de altos custos de vida, regulamentações restritivas e um distrito da luz vermelha mais higienizado.
Ainda assim, apesar de suas limitações modernas, Amsterdã mantém bolsões de magia que Verheijden canaliza para seu trabalho. “Ainda somos muito livres aqui”, refletiu. “Posso simplesmente ficar nua na rua para uma sessão de fotos e levar uma hora.” É esse paradoxo — entre a realidade crua e o encanto duradouro — que alimenta sua criatividade.
O nascimento do calendário de nus
Verheijden começou sua incursão na fotografia de nus em 2019 com um calendário baseado em Amsterdã. A princípio, foi uma decisão pragmática, ligada à obtenção de financiamento municipal associado à cidade. Mas, à medida que mergulhava no projeto, percebeu um significado mais profundo.
Sua estética é inegavelmente crua, evocando comparações com Juergen Teller e Richard Kern. Em vez de modelos profissionais, ela escolhe pessoas comuns, criando um efeito despudoradamente autêntico. “Todo mundo é alguém que alguém gostaria de transar”, explicou. Essa crença orienta seu processo de seleção, onde ela busca sujeitos cuja atratividade natural se destaque sem a necessidade de produções elaboradas ou artificiais.
De Amsterdã para o mundo
Cada calendário criado por Verheijden é imbuído com o espírito de sua localização. Seu calendário de Tóquio de 2023, por exemplo, precisou navegar pelas rígidas leis da cidade sobre nudez em público, resultando em sessões íntimas em ambientes internos que exploraram uma sensualidade mais quieta e pessoal. “É muito diferente de um corpo nu nas ruas cercado por pessoas”, observou.
Por outro lado, seu recente calendário de Nova York abraçou a energia caótica da cidade. “Nova York realmente me surpreendeu porque todo mundo é acima da média em beleza”, disse ela. Fotografar em espaços públicos como a Brooklyn Bridge e a Times Square trouxe um elemento performativo, com transeuntes interagindo com seus modelos de maneiras que enriqueceram a experiência. “As pessoas gritavam coisas como, ‘É por isso que moro em Nova York’”, lembrou.
O Texas, por sua vez, apresentou seus próprios desafios e surpresas. Ao contrário da abundância de participantes em lugares como Nova York ou Berlim, Verheijden teve que se esforçar mais para recrutar modelos em cidades como Houston, Dallas e Austin. Ainda assim, ela acredita que a restrição acabou beneficiando o calendário. “Ficou tão bom porque aceitei todo mundo que me procurou”, disse ela, enfatizando a diversidade e a singularidade de seus modelos texanos.
O calendário como objeto
Além de seu apelo visual, o calendário de nus ocupa um lugar especial na filosofia artística de Verheijden. “As pessoas não têm problema em pendurá-lo na parede ou emoldurá-lo de uma maneira que não fariam com um livro de fotos”, disse ela. Essa acessibilidade cotidiana, combinada com sua tradição irreverente, faz dele um meio ideal para seu trabalho.
Embora muitas vezes sejam brincalhões e leves, os calendários também provocam discussões mais profundas sobre nudez e sexualidade. Verheijden está ciente das dinâmicas de poder e nuances culturais que moldam nossas percepções dos corpos nus. No Brasil, por exemplo, ela encontrou uma curiosa mistura de pudor e sensualidade. “Se eu não usasse sutiã, isso era realmente provocante”, disse, refletindo sobre suas visitas ao Rio.
A arte da realidade
No centro do trabalho de Verheijden está sua capacidade de capturar a “realidade” de seus modelos. Essa autenticidade, acredita ela, vem de trabalhar com pessoas que não são modelos profissionais. “Se as pessoas não estão acostumadas a posar profissionalmente, as fotos ficam realmente boas de alguma forma”, observou. Seus modelos variam de amigos e fãs a estranhos que respondem a suas convocações abertas. Muitos participam por razões pessoais — alguns acham terapêutico, outros veem como uma celebração de seus corpos.
A abordagem de Verheijden é também profundamente empática, criando um ambiente seguro e confortável para seus modelos. “Não é sexual para mim”, disse. Esse distanciamento, combinado com sua genuína curiosidade sobre seus modelos, permite que ela destaque suas melhores qualidades.
Olhando para o futuro
Enquanto reflete sobre sua trajetória, Verheijden permanece animada com a possibilidade de explorar novas cidades e culturas. Dos castelos do Reino Unido às ruas vibrantes do Brasil, ela vê possibilidades infinitas para expandir os limites de seu trabalho. “Assim que uma cidade tem aquele tipo de clichê turístico que você pode colocar em uma caneca, funciona”, disse, insinuando futuros calendários que misturem clichês culturais com seu toque subversivo característico.