Por Reinaldo Glioche
Talvez seja o caso de começar esse texto explicando – ou traduzindo -o que significa disclaimer. Trata-se de uma declaração de isenção de responsabilidade – as tais linhas finas do contrato. Pode ser posto da seguinte maneira. Antes de um filme começar, surge um aviso em tela de que aquela produção ostenta cenas de abuso físico, emocional e sexual e que pode causar estresse e incômodo. Esse tipo de declaração, que não à toa surge antes de todos os sete episódios dessa ótima série do AppleTV+, é um disclaimer.
Já “Disclaimer”, a série criada, roteirizada e dirigida pelo mexicano Alfonso Cuarón, a partir do livro de Renne Knight, embaralha percepções em um trama rocambolesca que tem como principal objetivo deflagar uma reflexão profunda sobre os tentáculos da misoginia. Nesse sentido, Cuarón estabelece uma narrativa em que as percepções moldam a verdade.
É uma postulação pertinente a essa era da pós-verdade, em que versões se sobrepõem aos fatos e “Disclaimer” não faz nenhuma questão de dourar a pílula. Aqui as narrativas e percepções são senhoras do destino.
Catherine Ravenscroft (uma excepcional Cate Blanchett) vê seu mundo ruir quando surge como personagem de um romance e é retratada como uma figura vil e maquiavélica. Mais: o autor do livro, Stephen Brigstocke (Kevin Kline), a acusa de ser, ainda que indiretamente, a responsável pela morte de seu filho e, doravante, pela desgraça que recaiu sobre sua existência.
A audiência, então, é ofertada aos escritos que descobrimos ser, na verdade, da esposa de Stephen, Nancy (Lesley Manville), que morreu algum tempo depois. Alternando entre realidade e essa ficção que se pretende verdade, Cuarón vai guiando o público em meio a desatinos, desencontros e um denominador comum: a convicção de que Catherine é culpada. Do quê? Não importa!
Essa régua norteia todos os personagens. Stephen, claro, mas também o marido de Catherine, brilhantemente defendido por Sacha Baron Cohen, e seu filho, Nicholas (Kodi Smit-McPhee). Embora os personagens tenham suas próprias vozes, o que cativa na minissérie é a intransigência com que ventila sua matiz literária. Há julgamentos por toda parte e por vezes o público se vê na contingência de apenas “votar com a relatoria”. Esse é o sacrilégio definitivo, pontua Cuarón no devastador último episódio, quando os dois principais personagens masculinos da trama medem a culpa de cada um diante dos fatos.
Da fotografia exuberante, assinada pelo habitual colaborador de Cuarón, o oscarizado Emmanuel Lubezki, à trilha sonora de Finneas O´Connel, tudo em “Disclaimer” impressiona. Trata-se de uma daquelas séries para se interiorizar com gosto. Depois de um primeiro episódio vacilante, a série vai num crescendo com momentos de erotismo, humor, horror, drama, desespero e humanidade. Tudo adornado por uma beleza técnica singular. Cuarón entrega uma série impactante e cheia de reminiscências, sem ser perdulária com suas pautas. Algo notável em meio a tantas obviedades que vemos nas produções de grife atuais.