O fascínio quase espiritual das esculturas “plasmáticas” de Gisela Colón

Redação Culturize-se

Gisela Colon
A artista plástica Gisela Colón | Fotos: Divulgação

A obra de Gisela Colón, artista porto-riquenha-americana, vai além do visual, trazendo à tona um impacto emocional e espiritual profundo. Os monólitos que a artista desenvolve, apresentados recentemente na exposição “Matéria Prima” no Instituto Artium em São Paulo e na mostra “O Quarto Estado da Matéria” na galeria Raquel Arnaud, ressoam como representações poéticas de sua vida e visão de mundo. Cada peça de Colón parece uma galáxia encapsulada, uma “explosão do Big Bang” em forma de totem, como ela mesma descreve, remetendo a algo que transcende o tempo e o espaço. Essas esculturas totêmicas carregam um simbolismo que combina tecnologia, natureza e experiências pessoais da artista, funcionando como um catalisador para a transformação de traumas em beleza.

Os totens de Colón, feitos com materiais de alta tecnologia como acrílicos ópticos e fibra de carbono, refletem sua exploração do “minimalismo orgânico”. Esse estilo inovador evoca uma conexão profunda com a Terra e com conceitos universais como tempo e gravidade, refletindo a própria vida de Colón e suas experiências de infância em Porto Rico, marcadas pela violência e pela perda. Ela perdeu a mãe ainda criança, vítima de feminicídio, e posteriormente sua tia também foi assassinada, eventos que moldaram sua visão da vida e da morte, tornando-se inspiração e combustível para sua arte. “A mensagem que minhas esculturas passam é como transformar o negativo em positivo, como transformar a morte em vida,” explica a artista, e esse poder de transmutação está presente em cada aspecto de seu trabalho.

Os monólitos verdes que Colón apresenta, feitos de uretano sustentável, têm uma forma reminiscentemente fálica que também evoca projéteis de fuzil, em referência aos tiroteios frequentes de sua infância. No entanto, ao invés de transmitir uma mensagem de violência, as esculturas transformam essa memória em algo sublime. Em suas mãos, esses totens carregam uma força transformadora, convertendo símbolos de dor em representações de resiliência e cura. Os visitantes da exposição no Instituto Artium encontraram essas esculturas ao ar livre, nos jardins da instituição, onde Colón criou um oásis de totens que emergem do solo como árvores futuristas, integradas à natureza do ambiente, inspirando contemplação e um sentimento de pertencimento a algo maior.

´”Matéria-Prima”, exposta no Museu da República em Brasília

Colón traz uma qualidade iridescente às suas esculturas, inspirada em La Parguera, uma baía bioluminescente em Porto Rico, onde micro-organismos brilham quando agitados, criando um espetáculo natural de luzes. Ela deseja transmitir essa “magia” através da arte, fazendo uso da refração da luz em vez de tinta para criar cores estruturais que mudam dependendo do ângulo de observação, assim como a bioluminescência em La Parguera se manifesta através do movimento das águas. Essa característica reflete seu profundo respeito pela natureza e sua habilidade de fundir ciência e arte em uma linguagem visual única, onde o espectador é convidado a ver o mundo de novas maneiras.

Os monólitos de Colón, além de evocarem a bioluminescência de La Parguera, lembram a grandiosidade das montanhas de Porto Rico, como a Floresta Tropical de El Yunque, uma paisagem que ela sempre considerou uma fonte de força e inspiração. Esse paralelo com as montanhas transforma o que poderia ser um símbolo de violência e morte em um de persistência e elevação espiritual. Colón usa o termo “plasmático” para descrever a experiência latino-americana, comparando-a ao quarto estado da matéria, em que partículas emergem de uma pressão intensa e temperatura elevada. Para ela, isso simboliza a capacidade de sobrevivência e reinvenção do povo latino-americano, capaz de se transformar diante das adversidades, assim como suas esculturas mudam com a incidência de luz, em uma dança contínua com o ambiente.

Esse processo de criação transforma a dor em poder, um tema central em sua trajetória. Crescida em um ambiente permeado pela ciência — seu pai era químico, e sua avó, farmacêutica —, Colón teve uma compreensão precoce do mundo interconectado, aprendendo desde jovem a observar a vida através de um prisma tanto científico quanto espiritual. Através de sua mãe, uma pintora que incentivava Colón a explorar a criatividade, ela aprendeu a ver a arte como um refúgio e uma forma de resiliência. Essa formação inicial foi moldada ainda mais pela presença de sua avó materna, praticante de santería, que lhe apresentou os aspectos místicos da vida. Essas influências diversas culminam na obra de Colón, que abarca o micro e o macro, o científico e o espiritual, oferecendo ao público uma experiência sensorial e emocional.

Ao longo de sua trajetória, Colón utilizou a dor como matéria-prima para a criação. Essa perspectiva única fez com que suas esculturas representem uma busca constante por transformação e reinvenção. A artista abandonou temporariamente a pintura durante os anos 1990 e 2000 para se dedicar à escultura, uma mudança que lhe permitiu desenvolver peças que são quase vivas, interagindo com o ambiente e com o público de uma forma única e fluida. A experiência da cor estrutural nas esculturas de Colón é uma inovação que proporciona ao observador a sensação de estar vendo algo que se transforma diante de seus olhos.

“Godheads”, exposto na Holanda

Colón representa a diáspora latina e aborda em sua arte temas de deslocamento e sobrevivência, fazendo uso de elementos que lembram tanto sua herança cultural quanto as experiências universais de trauma e superação. As formas orgânicas de suas esculturas remetem a estruturas biológicas, como o DNA e as mitocôndrias, e temas astrais, como o big bang. Essa abordagem aproxima o espectador da origem da vida e do universo, ao mesmo tempo que os convida a refletir sobre suas próprias experiências e identidades. Cada obra é, portanto, um convite à introspecção e à empatia, estabelecendo uma conexão simbiótica com o público que ultrapassa as barreiras linguísticas e culturais.

Em um mundo onde a arte muitas vezes se concentra apenas no estético, Colón vai além ao criar peças que são ao mesmo tempo belas e poderosas, símbolos de sua própria jornada e da luta de seu povo. Suas esculturas não são apenas objetos estáticos; elas são organismos vivos, que mudam, respiram e se comunicam com o ambiente, celebrando a capacidade humana de transformar escuridão em luz e adversidade em beleza. Colón transforma sua história em obras que inspiram, comovem e oferecem um vislumbre de um futuro onde a arte, a natureza e a humanidade coexistem em harmonia.

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