Redação Culturize-se
Os últimos anos têm sido marcados por desenvolvimentos políticos e sociais turbulentos na Venezuela, uma nação lutando contra o colapso econômico, a repressão governamental e eleições contestadas. Após a eleição presidencial de 28 de julho, o discurso político quase se tornou um tabu nos espaços públicos. Os venezuelanos agora usam eufemismos como “o contexto político”, “a situação atual” ou “o que está acontecendo” para se referirem cautelosamente aos eventos políticos, destacando o quão perigoso o tema se tornou para discussões públicas.
A própria eleição foi amplamente contestada, com líderes da oposição acusando o governo de Nicolás Maduro de manipular a contagem dos votos. Maduro foi declarado vencedor pelo Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela, garantindo seu terceiro mandato no cargo. No entanto, figuras da oposição, munidas com supostas evidências de fraude eleitoral, se recusaram a reconhecer os resultados. A comunidade internacional compartilha amplamente desse ceticismo, recusando-se a aceitar a vitória de Maduro sem mais provas, que seu governo ainda não apresentou.
Nos meses após a eleição, o clima político tornou-se cada vez mais tenso. A violência governamental aumentou, e prisões em massa tornaram-se comuns em todo o país. Apesar do perigo, no entanto, surgiram bolsões de resistência e resiliência — particularmente no âmbito da cultura e das artes. Na capital, Caracas, organizações artísticas continuaram silenciosamente seu trabalho, resistindo ao regime opressor por meio de esforços comunitários voltados para a preservação da identidade e da unidade venezuelanas.
Uma dessas organizações é o Taller de Artistas Gráficos Asociados Luisa Palacios, ou Taga, um estúdio de artes gráficas fundado em 1976. Sob a direção de Patricia Morales, o Taga tem desempenhado um papel crucial na preservação do patrimônio das artes gráficas da Venezuela, apesar da instabilidade política do país. Ao The Art Newspaper, Morales reconhece que a incerteza pós-eleitoral levou a hesitações iniciais sobre a retomada das atividades, já que o estúdio não tinha certeza se as pessoas estariam interessadas em participar de workshops. No entanto, o sucesso de um recente workshop sobre métodos de impressão, ministrado por Corina Briceño, poucas semanas após a eleição, provou o contrário. O workshop rapidamente esgotou as vagas, um sinal de que, mesmo em tempos de turbulência política, o desejo de engajamento artístico permanece forte.
A importância do Taga vai além dos seus workshops. O estúdio abriga uma coleção de mais de 5.000 gravuras de mais de 500 artistas, oferecendo um rico repositório do design gráfico venezuelano. Seus esforços recentes têm se concentrado em catalogar e preservar 185 pedras litográficas, doadas originalmente como material de impressão reutilizável na década de 1980, mas agora reconhecidas como valiosos artefatos históricos. Essas pedras incluem um mapa usado pelo General José Antonio Páez durante a Guerra da Independência da Venezuela, destacando a importância dessas pedras para a compreensão tanto da evolução do design gráfico venezuelano quanto da história nacional. A preservação e exposição dessas pedras, através de projetos como a exposição Litho Graphica, enfatizam o papel do Taga na salvaguarda do patrimônio cultural da Venezuela.
O Taga não está sozinho nessa missão. Outras organizações, como o Museo del Libro Venezolano e o Archivo Fotografía Urbana, também estão dedicadas à preservação e promoção da cultura venezuelana em meio ao colapso político e econômico do país. O Museo del Libro Venezolano, fundado pelo comerciante de livros raros Ignacio Alvarado, abriga uma coleção de aproximadamente 3.000 livros raros e historicamente significativos, incluindo uma rara primeira edição de “Doña Bárbara”, de Rómulo Gallegos. Assim como o Taga, o museu enfrentou desafios para manter suas operações devido à crise econômica do país, mas, através de uma combinação de parcerias e estratégias práticas, conseguiu permanecer aberto e acessível ao público, oferecendo entrada gratuita e eventos culturais para engajar a comunidade.
O Archivo Fotografía Urbana, fundado em 2015, também se concentra na preservação da memória venezuelana, embora por meio da fotografia. Os esforços da organização em conservação, pesquisa e publicação a tornaram um recurso vital para entender a história da Venezuela. Parcerias colaborativas com instituições locais e internacionais têm sido fundamentais para seu sucesso, à medida que o Archivo trabalha para manter viva a memória cultural da Venezuela diante da adversidade.
Para além das fronteiras
A sobrevivência e o ressurgimento da arte venezuelana não estão confinados às fronteiras do país. O reconhecimento internacional dos artistas venezuelanos tem crescido nos últimos anos, apesar dos desafios enfrentados pelas instituições culturais da nação. Grandes exposições de artistas venezuelanos como Gego, Marisol Escobar e Carlos Raúl Villanueva em museus de destaque ao redor do mundo, como o Museu Guggenheim e o Centre Pompidou, fazem parte de uma tendência maior de valorização global da arte venezuelana.
A ascensão da diáspora venezuelana desempenhou um papel crucial nesse desenvolvimento. Com muitos curadores, profissionais de museus e artistas forçados a deixar a Venezuela devido à crise sociopolítica, suas contribuições no exterior trouxeram maior visibilidade à arte venezuelana. Figuras notáveis, como Luis Pérez-Oramas, ex-curador de arte latino-americana do MoMA, e Gabriela Rangel, ex-curadora-chefe da Americas Society, ajudaram a promover artistas venezuelanos em centros culturais internacionais. Exposições como Measuring Infinity, uma retrospectiva de Gego no Guggenheim, são o resultado de anos de pesquisa e planejamento curatorial, destacando a dedicação desses profissionais expatriados.
Ao mesmo tempo, artistas contemporâneos venezuelanos continuam a deixar sua marca no cenário internacional. Artistas como Arturo Herrera, Alexander Apóstol e Sheroanawe Hakihiiwe ganharam reconhecimento por seu trabalho inovador, que explora temas como modernidade venezuelana, migração e identidade cultural. Esses artistas, muitos dos quais vivem e trabalham no exterior devido à crise no país, representam uma “soma de individualidades” que, apesar de sua dispersão geográfica, estão coletivamente impulsionando a arte venezuelana em novas e emocionantes direções.
Por exemplo, as colagens do artista venezuelano Arturo Herrera, radicado em Berlim, fazem parte da coleção do MoMA, enquanto o trabalho de Apóstol, que investiga as fraturas da modernidade venezuelana, está na coleção do Centre Pompidou. Enquanto isso, a inclusão de Hakihiiwe na prestigiosa Bienal de Veneza destaca ainda mais o crescente interesse global pela arte contemporânea venezuelana.
Além dessas figuras reconhecidas internacionalmente, as cenas artísticas locais venezuelanas continuam a prosperar. Apesar da deterioração das instituições públicas, galerias privadas como a ABRA Caracas e a Fundación Sala Mendoza têm apoiado artistas emergentes na Venezuela. Exposições e eventos ainda ocorrem em todo o país, oferecendo um vislumbre da resiliência e criatividade que persistem, mesmo nas circunstâncias mais desafiadoras.