Redação Culturize-se
Beatrice Arraes é uma pintora cearense cujo trabalho destaca-se pela expressividade e pela profunda conexão com temas de memória, identidade e as paisagens interiores e exteriores que compõem o cotidiano. Com uma trajetória artística relativamente recente, Beatrice tem rapidamente consolidado seu nome no cenário das artes visuais brasileiras, graças ao uso de técnicas complexas e ao diálogo constante entre o passado e o presente, o local e o global.
Formada em Design Gráfico e de Produto pela Universidade Federal do Ceará e com estudos em Belas Artes na Universidade de Salamanca, Beatrice desenvolveu uma prática artística centrada principalmente na pintura a óleo sobre tela e madeira. Sua abordagem técnica é notável pela riqueza de camadas e pelas incisões que realiza na madeira, criando obras que evocam um processo quase arqueológico. Ao trabalhar com sobreposições de tinta, contrastes e, em alguns casos, retiradas de camadas, ela constrói suas imagens como se estivesse escavando memórias, revelando, de forma deliberada, diferentes momentos e estados de espírito.
A obra de Beatrice explora paisagens tanto urbanas quanto naturais, mas sempre com uma ligação ao campo da memória. Ela incorpora fragmentos de referências visuais da cultura popular, como pinturas de fachadas e o trabalho de letristas e cartazistas, que carregam um forte caráter arcaico, resistindo à modernização e à tecnologia. Esse diálogo entre o antigo e o novo, entre o efêmero e o duradouro, permeia grande parte de suas criações. Assim, suas pinturas apresentam uma certa atemporalidade, flutuando entre o passado e o presente e propondo uma reflexão sobre a maneira como lembranças e experiências são moldadas e reinterpretadas com o tempo.
O uso de cores densas e escuras é outro elemento característico em suas obras, contribuindo para criar atmosferas introspectivas, quase melancólicas. As paisagens de Beatrice são frequentemente habitadas por uma solidão silenciosa, sugerindo um mistério latente que provoca o espectador a buscar significados ocultos. Lucas Dilacerda, curador que colaborou com Beatrice na exposição “Passou uma Nuvem”, ressaltou esse aspecto ao mencionar a “solidão silenciosa e densa” que emana de suas paisagens imaginadas. Suas obras carregam uma aura sublime, onde o natural e o metafórico se entrelaçam, e elementos como chuvas torrenciais, aquíferos e vulcões se tornam metáforas de transformações interiores e exteriores.
A artista também se interessa pelo impacto ambiental e cultural das paisagens, abordando questões como o apagamento e as mudanças que a cultura global impõe às tradições locais. Esse contraste entre o global e o local é constantemente explorado em suas obras, que, embora contenham referências universais, sempre mantêm um vínculo com sua origem nordestina, evocando uma sensação de pertencimento.
Outro aspecto essencial na prática de Beatrice Arraes é o caráter coletivo de sua produção. Ela vê a arte como uma rede de afeições e trocas, uma dinâmica colaborativa que envolve não apenas o ato de pintar, mas também o diálogo constante com outros artistas, curadores e o público. Sua atuação no Ateliê Cinco Sete, um ateliê coletivo que ela fundou com outros jovens pintores em Fortaleza, é um exemplo claro de como essa rede de colaboração é fundamental para sua trajetória.
A carreira de Beatrice Arraes, apesar de ainda em seus primeiros anos, já inclui participações em exposições importantes, como o 74º Salão de Abril e a mostra “Máscara, Maré, Memória”, em São Luís, além de sua primeira exposição individual, “Passou uma Nuvem”, em Fortaleza. Sua obra integra o acervo do Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, confirmando sua relevância no panorama artístico contemporâneo. Recentemente, ela passou a ser representada pela prestigiada Galeria Millan.
Com uma abordagem estética que mescla técnica refinada, sensibilidade narrativa e uma constante exploração do que significa memória e identidade, Beatrice Arraes é uma artista que promete continuar surpreendendo e inovando, seja na forma como utiliza a pintura para criar paisagens emocionais, seja na maneira como transforma as influências populares e regionais em arte de impacto universal.