Edson Aran
Quando entrei no Twitter era tudo mato. A revista Wired jurava que o microblog não duraria um mês. Ninguém conseguiria expor uma opinião em 140 caracteres. Quem teria tal poder de síntese? E, de fato, naqueles primeiros anos, a plataforma era território de aforistas e “one line jokers”. Foi a época de perfis irônicos, inteligentes e provocativos como “O Criador”, “Na Kombi”, Tio Dino, Steve Martin, Nein, Fraga e Castelorama, entre muitos outros.
Sempre gostei de frases curtas, rápidas, certeiras, então o Twitter era a minha casa, a minha rede, a minha plataforma. Foi ali que criei a série “O amor é outra coisa”, que virou “meme” muito antes da palavra existir. Era assim:
O amor não é uma coisa que, se encontrada, poderia mudar o que está diante de você. O nome disso é controle remoto. O amor é outra coisa.
As melhores frases que produzi no microblog foram reunidas em “O amor é outra coisa – o livro de pensamentos estúpidos que vai mudar a sua vida” (Jardim dos Livros). Participei também da coletânea “Na Kombi”, organizada pelo Silvio Lach e Ulisses Mattos, que juntava tweets bem-humorados sobre os mais diversos assuntos.
Steve Martin, tuiteiro de primeira hora, também agrupou suas piadocas no divertido “The Ten, make that nine, habits of very organized people. Make that ten – The tweets of Steve Martin” (Grande Central Publishing), com coisas tipo:
Estou saindo da cidade por dois dias e deixei a janela da direita aberta. Dá pra ser mais estúpido do que isso?!
Algum tempo depois, eu e alguns amigos (Renzo Mora, Túlio Andrade e Rodrigo Gerardi) inventamos a Marcha da História, que satirizava os perfis de imagens históricas, uma mania no microblog. A proposta era pegar uma foto verdadeira e adicionar uma legenda absurda, acompanhada de uma data que não fazia o menor sentido. Até a proibição do X, o perfil tinha mais de 18 mil seguidores.
O tempo passou e, como aconteceu em toda a internet, o algoritmo foi separando os usuários em tribos cada vez mais belicosas e antagônicas. O Twitter se entupiu de canceladores e patrulheiros aos gritos de “Peguem! Matem! Esfolem!”. Muita gente caiu fora porque não aguentava ser xingada e hostilizada. Apesar de tóxico, o microblog se manteve como fonte obrigatória para quem se interessava por cultura e política. Vinte milhões de brasileiros usavam a plataforma para participar do debate público. Durante o governo Bolsonaro, o X-Twitter foi um importante canal de crítica ao projeto autoritário da extrema-direita e em defesa da democracia. Na pandemia de Covid, o microblog foi fundamental para divulgar informação. E diversão, claro, com todo mundo trancado em casa.
Ironicamente, quem nos tirou a liberdade de twittar (ou “xizar”) foi o Supremo Tribunal Federal que se autoproclamou o Defensor Absoluto da Democracia. É muita pretensão. Redes sociais precisam ser responsabilizadas pelo que publicam. Isso é óbvio e evidente. Mas isso é tarefa do Congresso Nacional, não da Suprema Corte. Proibir o acesso ao X nos coloca ao lado de países como Venezuela, China, Irã, Coreia do Norte e Turcomenistão. É dessa turma que o Brasil quer fazer parte? Foi pra isso que nós derrotamos o bolsonarismo nas urnas?
Elon Musk é um ogro e nisso todo mundo concorda. Ele é um multibilionário reacionário, petulante e direitista. Ele é o grande representante de uma nova mídia que não enxerga fronteiras ou barreiras. Ele tirou o passarinho azul do Twitter e o substituiu por um “X”, como se fosse um Eike Batista transnacional. Ele é vil, velhaco e venal. Ele é o Pablo Marçal com mais dinheiro no bolso. Ele é um troll. Ele preparou uma armadilha e o STF caiu direitinho, pois revelou um insaciável apetite autoritário. Princípios? Quem precisa disso quando se detém os meios para alcançar determinados fins?
Como cresci durante a ditadura militar, acredito que interditar o debate não derrota a extrema-direita. Ao contrário, só a fortalece. Mas sou um cara fora de moda. Fiz uma defesa do “tuitar” nas redes que sobraram e fui chamado de fedido, bobão, babaca, mimizento, puxa-saco de bilionário, frustrado, chorão e sem graça.
No país binário que inventamos não há espaço para nuances ou sutilezas. A discussão civilizada foi banida em junho de 2013 e nunca mais voltou. A esquerda sem noção entregou a pauta da liberdade de expressão para a direita. É inacreditável. É inconcebível. É emburrecedor.
Por isso, resolvi me render. Entre a truculência bolsonarista e a arrogância suprema, fico com a minha cervejinha.
O Brasil cansa e eu estou exausto.