Tom Leão
Todo mundo conhece o Live Aid, aquele mega concerto de rock que aconteceu em 1985, e marcou época. Mas, para que ele tivesse acontecido, foi preciso que outros tivessem aberto caminho. Como o Concert for Kampuchea (Camboja), que aconteceu em Londres, em 1983, e reuniu nomes como The Pretenders, The Clash, The Who, etc (e rendeu um bom álbum duplo). Mas o primeiro deles, foi o Concerto para Bangladesh, que aconteceu em 1971. Agora, ele está sendo relançado numa versão remasterizada em 4k, que chegará, pela primeira vez, aos serviços de streaming mundiais (ainda não foi anunciado quando e em quais serviços estará disponível no Brasil).
Organizado por George Harrison, ele aconteceu no Madison Square Garden, em Nova York, em duas sessões (uma diurna e outra, noturna), no dia primeiro de agosto de 1971. Originou um filme (passou inclusive no Brasil), lançado originalmente em 1972, junto com um álbum duplo que vendeu milhões. No total, são 20 músicas no setlist, em cerca de duas horas de show.
A lista de convidados, ainda hoje, impressiona: além de George Harrison, que pilotou tudo e também foi o mestre de cerimonias, o concerto contou com as participações de Bob Dylan, Eric Clapton, Leon Russell, Billy Preston, Ringo Starr, Ravi Shankar e uma lista de músicos de apoio de primeira linha, que incluiu até a banda Bad Finger. O filme, foi produzido pela Apple, a empresa dos Beatles, que era, principalmente, uma gravadora (e que, recentemente, enfim, terminou uma briga de décadas com a Apple Computers pelo uso do nome). Histórico.
O concerto marcou uma das primeiras aparições de Bob Dylan desde fins da década de 1960, por causa de um acidente de moto que ele sofreu. A EMI fez um acordo especial com a Columbia Records (gravadora de Dylan) para incluir a parte de Dylan do show no álbum da trilha sonora: enquanto a versão em LP (e mais tarde em CD) foi lançada pela Apple Records, a Columbia lançou a versão em fita (e cartucho de oito faixas).
Já Eric Clapton, perdeu os ensaios, porque estava sofrendo de abstinência de heroína. Seu desempenho no palco foi um pouco abaixo da média, mas não foi de todo ruim. Esta, foi uma das últimas aparições de Clapton em dois anos, enquanto ele lutava contra seu vício, e saiu de cena para se tratar. Por isso, Jesse Ed Davis estava programado para assumir a guitarra, quando a presença de Clapton era incerta; no entanto, Clapton apareceu, e ele e Davis acabaram se apresentando juntos.
Na época, parte dos lucros do show foram congelados pela Receita Federal (muitas editoras e gravadoras envolvidas), e só depois foram entregues ao UNICEF. Demorou quase dez anos para liberar o restante do dinheiro para o fundo, época em que a crise em Bangladesh até já havia passado. No entanto, o esforço não foi em vão, considerando que os lucros dos produtos deste projeto, como o filme e os discos, ainda estão apoiando a UNICEF até hoje. Inclusive, todos os lucros de venda e aluguel do filme para o streaming, também.
A princípio, George Harrison ia seguir o plano de Ravi Shankar de fazer um pequeno show, mas o transformou em um show de estrelas, pelo simples motivo: ‘Se você vai fazer algo, faça grande’, disse. Assim, pôde ajudar a causa muito mais.
Perfeccionista, Harrison planejou o concerto extensivamente (mesmo assim, enfrentou vários problemas técnicos durante as filmagens), como conta em sua autobiografia, ‘I Me Mine’.
Como este era um evento repleto de estrelas, Harrison achou que seria uma excelente ideia convidar os outros Beatles para se apresentarem. Paul McCartney recusou, sentindo que não era o momento certo para uma reunião dos Fab Four (ele sempre foi arredio à ideia). Ringo Starr aceitou, assim como John Lennon no início. Até perceber que o convite para se apresentar não se estendia a Yoko Ono. Então, saiu fora. Seja como for, o concerto é muito bom. Começa com Shankar e banda, depois Harrison, e daí vai evoluindo com os demais convidados, com destaque para as partes solo de Bob Dylan (cinco músicas!) e Leon Russell (excelente). Deve ter sido muito bacana ter visto isso na tela dos cinemas.