Redação Culturize-se
O recente sucesso do Partido Trabalhista no Reino Unido, liderado por Keir Starmer, trouxe à tona uma abordagem inovadora de governança: a ideia de um governo “liderado por missões”. Este conceito, inspirado pela economista italiana Mariana Mazzucato, sugere que, em vez de dividir promessas em áreas específicas, o governo deve se concentrar em grandes objetivos que envolvam vários setores e organizem a gestão em torno de sua execução. Essa abordagem foi destacada no livro de Mazzucato, “Missão Economia: um Guia Inovador para Mudar o Capitalismo”, publicado em 2021.
No entanto, em seu novo livro, “A Grande Falácia”, escrito em parceria com Rosie Collington, Mazzucato aborda uma questão crucial: a dependência excessiva de governos em consultorias. Segundo as autoras, essa dependência debilita os governos, tornando-os reféns de interesses não declarados e ameaçando a própria democracia. Elas argumentam que, enquanto as consultorias são frequentemente contratadas para respaldar mudanças de impacto, o que elas oferecem é muitas vezes um “truque de confiança”.
Mazzucato e Collington ilustram seus argumentos com exemplos significativos, como o desastroso lançamento do Obamacare nos Estados Unidos, onde a terceirização de partes essenciais do projeto resultou em um fracasso inicial retumbante. Outro exemplo é o processo de recuperação pós-falência de Porto Rico, onde a McKinsey, contratada para dar recomendações, tinha interesses financeiros próprios na dívida de Porto Rico, criando um claro conflito de interesses.
As autoras alegam que as consultorias não são a causa das falhas do capitalismo neoliberal, mas elas contribuem para um ciclo vicioso: à medida que o Estado delega funções, perde-se o conhecimento interno, aumentando a dependência futura de consultores. Isso resulta em uma “erosão das capacidades dos estados”, onde a expertise necessária para governar efetivamente é terceirizada, corroendo a eficácia do governo a longo prazo.
O tamanho do buraco
O livro também aborda a crescente influência das consultorias na formulação de políticas climáticas e ambientais. As autoras criticam a forma como essas empresas, que historicamente contribuíram para o aumento das emissões de carbono, agora se posicionam como conselheiras em sustentabilidade, trabalhando tanto para governos quanto para grandes poluidores.
A relação entre governos e consultorias tem profundas implicações. Como a segunda parte da obra destaca, a dependência das consultorias não apenas influencia a tomada de decisões de maneiras que muitas vezes estão em desacordo com o bem público, mas também enfraquece a capacidade dos governos de desenvolver e implementar políticas internamente. Essa situação não é acidental, mas resultado de uma estratégia deliberada das consultorias para se tornarem essenciais aos governos, subvalorizando seus serviços inicialmente e, em seguida, expandindo suas operações.
As empresas de consultoria, como McKinsey, Bain e BCG, têm lucrado imensamente ao vender suas “reivindicações de expertise”. Elas desenvolvem novas áreas de conhecimento para explorar oportunidades de mercado emergentes, sendo a consultoria no setor público uma dessas oportunidades lucrativas. No entanto, as autoras argumentam que essas empresas promovem uma ideologia que enfraquece os governos, minando sua eficácia ao passarem de conselheiros para tomadores de decisão de fato.
Os governos, especialmente sob a influência das doutrinas neoliberais desde os anos 1980, têm terceirizado cada vez mais suas funções. Ideias como a “Nova Gestão Pública”, que buscava imitar práticas de gestão do setor privado no setor público, abriram caminho para a proliferação das consultorias. No entanto, essa terceirização tem causado danos fundamentais, erodindo a capacidade do setor público de aprender e inovar por conta própria.
Mazzucato e Collington argumentam que é necessário reverter essa tendência. Elas defendem a reconstrução de um estado mais robusto e autoconfiante, capaz de enfrentar problemas fundamentais sem depender excessivamente de consultores externos. Para isso, é preciso afrouxar a dependência das consultorias e reconstruir capacidades internas no governo.
As autoras apresentam várias propostas para corrigir a situação atual. Elas sugerem que governos invistam no desenvolvimento de suas próprias capacidades e conhecimentos, reduzindo a necessidade de consultorias externas. Além disso, defendem uma maior transparência e responsabilidade nas contratações de consultorias, garantindo que essas empresas sejam verdadeiramente responsáveis por suas ações e impactos.
O livro “A Grande Falácia” é uma crítica contundente ao impacto das grandes empresas de consultoria na condução dos governos contemporâneos. Ele argumenta que, em vez de “remar menos e dirigir mais”, a capacidade dos governos de fazer ambas as coisas foi substancialmente diminuída. Embora as evidências apresentadas sejam selecionadas para sustentar o argumento, elas fornecem uma base sólida para a reflexão e discussão sobre o papel das consultorias no setor público.
Em síntese, Mazzucato e Collington chamam a atenção para a necessidade urgente de reavaliar e reformular a relação entre governos e consultorias. Elas defendem uma abordagem que fortaleça as capacidades internas dos governos, promovendo uma governança mais eficaz, transparente e voltada para o bem público.