George Miller expande o universo de Mad Max com um filme extremamente consciente de si e de onde quer chegar e “Furiosa” aposta na grandiloquência para tanto
Por Reinaldo Glioche
“Mad Max: Estrada da Fúria” não foi apenas o melhor filme de 2015, mas o melhor da década passada. O longa revitalizou a franquia oitentista trazendo novos temas e personagens e ajudou a oxigenar o cinema de ação. São atributos portentosos e que tornariam inglória a missão de dar continuidade a projeto tão bem sucedido. Mas George Miller domina tão bem esse universo que faz coro aquele dito típico da autoajuda: “e não sabendo que era impossível foi lá e fez”.
“Furiosa” não é o mesmo filme que “Estrada da Fúria”, como muitos temiam que fosse o caso. O ritmo e o coração do filme estrelado por Anya Taylor-Joy e Chris Hemsworth batem diferente e a narrativa é mais elaborada – embora preserve a simplicidade de arco e o minimalismo em matéria de diálogos e conflitos do filme anterior.
A dramaturgia, entretanto, é abundante. Dos nomes criativos de personagens que entram e saem da tela em um piscar de olhos, às maquinações de Dementus (Hemsworth) para não perder seu séquito de seguidores, passando por seu afeto mal formulado por Furiosa. Miller encontra tempo até mesmo para comentar sobre a pertinência da guerra à natureza humana e o faz com uma riqueza estética de encher os olhos.
Desnecessário observar a excelência técnica do longa, que conta com a grande maioria dos colaboradores criativos de “Estrada da Fúria”, mas é imperioso reconhecer como Miller incrementa sua ópera no deserto com imagens que transbordam simbologia, cores que impregnam na íris, cenas de tirar o fôlego e digressões potentes de Furiosa e Dementus. A fotografia e a direção de arte continuam sendo senhoras dessa dinâmica, embora haja uma maior inclinação aos efeitos especiais do que em “Estrada da Fúria”.
Furiosa lutou o mundo
Furiosa é uma personagem bastante complexa e este longa adiciona camadas e apresenta novas possibilidades para a saga. Em uma performance que valoriza mais o aspecto físico do que os diálogos – uma imposição do roteiro – Joy se vê na contingência de trabalhar a corporeidade de sua personagem e nela avalizar o impulso de vingança que move sua personagem. Não é uma tarefa fácil e ela nem sempre é bem-sucedida. Charlize Theron contou com o elemento surpresa e não ajuda o fato de Chris Hemsworth roubar o filme. São os conflitos de seu personagem, e não os de Furiosa, que movem o longa e esse Rei Lear dos pós-apocalipse é tão intenso e carismático quanto a Furiosa de Charlize foi em “Estrada da Fúria”.
É um risco calculado que Miller corre com vistas a adensar narrativamente seu universo e desconcentrar a força dramática do filme. Como em “Estrada da Fúria”, a estratégia dá tremendamente certo, ainda que abale a percepção sobre o trabalho de Joy.
O longa cobre os 15, 20 anos anteriores a “Estrada da Fúria” e acompanha Furiosa desde que foi sequestrada por uma gangue de motoqueiros até o momento em que a flagramos no longa de 2015. “Furiosa” é um espetáculo que se permite cheio de sutilezas, uma construção minuciosa de passados e futuros, um monumento às crises filosóficas e, por tudo isso, cinema em seu pleno vigor.