Por Reinaldo Glioche
A busca pela tatuagem como forma de autoafirmação tem crescido exponencialmente. É o que revela uma pesquisa de 2023 do Instituto Qualibest, orientado a pesquisas de mercado, que mostra que 42% das pessoas que fizeram tatuagem pela primeira vez o fizeram “para expressar a personalidade”. Para 38%, a ideia era “eternizar um momento de especial significado”. Essa percepção é adensada pelo tatuador Rapha Lopes, natural de Ubatuba no litoral norte paulista, mas radicado no Rio de Janeiro. “O grande estigma que pairava sobre a tatuagem já não é mais como antes. Hoje, a sociedade vê a
tatuagem como uma forma válida de expressão, apesar de o preconceito ainda existir, claro”.
Lopes acredita que a tatuagem, além de arte, pode ser terapêutica e tem orientado seu estudo e técnica nesse sentido. “Na busca pelo meu próprio caminho e ao ouvir outras pessoas e suas jornadas de busca e
transformação, vi que existia muita história no mundo a ser registrada, muitas pessoas
querendo ser ouvidas e precisando encerrar ciclos de dor, angústia, perdas ou celebrar outros de renovação e conquistas”.
A tatuagem não foi algo que Lopes tinha como objetivo de vida, mas ele soube estar atento aos sinais que a vida dá. Aos 7 anos já trabalhava como catador de latinhas e vendedor ambulante e chegou a trabalhar com tatuagens de henna na praia. No Rio de Janeiro, para onde mudou aos 15 anos, casou-se cedo com Amanda e foi pai precoce, tentou a faculdade de desenho industrial, mas a pressão dos boletos o levou para um caminho distante do desenho. Um amigo, incutiu o desejo de ser tatuador, mas a esposa o desestimulou. A mesma esposa que algum tempo depois o presentearia com uma máquina de tatuagem.
Lopes sintetiza: “Eu acredito que a arte cura, que a arte salva, resgata e transforma. E mais do que isso: eu vivi isso na minha própria pele. Meu atendimento está e sempre esteve intrinsecamente ligado à minha trajetória e ele se desenhou, pouco a pouco, como um ato de conexão, de troca e de acolhimento”.
Mas a vocação para a arte não é a única trilha que Lopes tatua pelo caminho. Ele incorpora a seu metiê elementos da psicanálise, já que “a experiência é sempre parte do processo”. É o que atesta Carlos Eduardo Rodrigues Araújo. “Antes de eu tatuar com o Rapha, eu tinha três tatuagens bem pequenininhas. Nunca gostei de tatuagens apenas por razões estéticas.”, observa quase que dizendo que ainda não tinha achado o tatuador com quem poderia ser livre. “Eu tenho depressão e ansiedade e eu tinha a vontade de fazer uma tatuagem que me lembrasse do equilíbrio entre minha cabeça e meu coração”. Foi um amigo quem o indicou o trabalho de Rapha Lopes e depois de vasculhar o perfil do tatuador no Instagram, ele decidiu-se por ele.
“Funciona muito como uma sessão de terapia”, admite Carlos que não esconde sua admiração pelo processo de Lopes. “Vi meu atendimento ir se desenhando exatamente como o que eu sempre quis, de modo que eu pudesse reverenciar cada história através de um registro único e feito sob medida”, adiciona o tatuador. “Não é à toa que a peça central dos meus projetos seja o que chamo de ‘self’ que é a representação do meu cliente em conexão com o que há de mais importante e transformador na sua vida”. Carlos brinca que Lopes “é meio mutante” e que tem um “dom” que vai além do rabisco. “É uma coisa única. É como se fosse um autorretrato. Ele capta muito bem a sua trajetória, os seus sentimentos”.
Para além do conceito de “tatuagem de suporte”, como observa Carlos Eduardo com a tatuagem que o “relembra de tudo que passou pela vida” e “valorização da empatia”, Rapha Lopes mimetiza um movimento de redefinição da tatuagem para além de seus limites estéticos.
“O grande desafio de qualquer artista nos dias atuais é manter viva sua sensibilidade em relação aos
outros. Num mundo dessensibilizado, a arte surge da necessidade de curarmos a vida”, filosofa Lopes. Uma pensata que vale uma tatuagem!