Edson Aran
As guerras próximas unem as pessoas, as distantes dividem.
No meio de uma chuva de mísseis é mais prudente se juntar para se defender ou se abrigar.
Já longe da tragédia, com todo mundo seguro atrás de um computador ou celular, a tendência é a divisão e o alinhamento automático com um dos times envolvidos na matança.
Esfola!
Trucida!
Joga no mar!
Já escrevi sobre isso na coluna anterior e peço desculpas pela repetição. É que vi na StarPlus a série argentina “O Faz Nada” (o título original é melhor, “Nada”) e uma das sequências me inspirou uma reflexão.
A ideia é a seguinte: o mundo está profundamente dividido por questões linguísticas. O importante não é o conteúdo, mas a forma. O sabor não faz diferença, a embalagem sim. Isso define o século 21.
Uma questão que tem causado conflito entre os comentaristas de conflito (rs) é justamente a utilização das palavras.
Por exemplo: na sua opinião, o Hamas é um grupo de:
- Terroristas?
- Combatentes?
O termo define seu posicionamento, mas também justifica os atos de um lado e de outro. O combatente tem o direito de atacar, a vítima do terror tem o direito de se defender.
Outros exemplos.
A guerra no Oriente Médio é entre:
- Israel vs Palestina?
- Hamas vs Israel?
E o conflito na região pode ser definido como:
- Árabe-Judeu?
- Israelense-Palestino?
A coisa é complexa e isso aqui ainda é uma coluna de humor (eu acho), então não vou esticar a corda. Mas uma coisa eu garanto: se você acrescentar “em situação de”, todas as tretas acabam. Esse recurso simples já é utilizado com bastante sucesso pelo jornalismo e pode funcionar muito bem nas redes sociais.
Em vez de dizer “o Hamas é terrorista”, basta mudar para “o Hamas está em situação de terrorismo”. Também dá certo do outro lado. Em vez de “Benjamin Netanyahu é um direitista sem noção”, escreva “Benjamin Netanyahu é um direitista em situação de sem noção”.
Usar “em situação de” vende a ideia de que a condição é provisória em vez de permanente. Tudo se dilui, igual whisky misturado com água (mineral, sempre). O Netanyahu e o Hamas estão doidões, mas vai passar.
O melhor de tudo é que “em situação de” serve pra tudo.
Veja a lista:
“Grupo em situação de barbárie”
“População em situação de terror”
“Ataque em situação de selvageria”
“Gente em situação de defunta”.
PS: a coluna está em situação de sem-graceza, mas vai passar.