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“Jogo Justo” redimensiona disputa de gêneros

Em cartaz na Netflix, “Jogo Justo” opõe masculinidade frágil e emancipação feminina com o mercado financeiro e uma relação amorosa como campos de batalha

Reinaldo Glioche

Filme em cartaz na Netflix já foi destaque anteriormente em Culturize-se; muito em virtude da sensação que causou no Festival de Sundance no início do ano. Não é para menos. A estreia em longas de ficção de Chloe Domont é alimento intelectual de primeira grandeza, além de um resgate dos thrillers psicológicos com alguma voltagem erótica que andam em baixa no cinema vigente.

Nesse estudo intrincado e cheio de boas observações, Domont enxerga a selva capitalista como esteio de uma estrutura misógina na qual Emily (Phoebe Dynevor) está inserida. Ela é uma analista promissora em uma corretora financeira e namora secretamente Luke (Alden Ehrenreich), um tipo afável e que parece genuinamente apaixonado por ela. Só que uma promoção na firma, que parecia contemplá-lo, na verdade, vai para ela e esse fato surge como uma sombra desestabilizadora na relação dos dois.

Jogo Justo
Foto: Divulgação

Por uma dessas felicidades criativas que crítico de cinema adora, Domont inicia e encerra seu filme com sangue. É um símbolo muito forte da jornada dramática daqueles dois personagens e do pendor social em que estão especificamente inseridos.

“Jogo Justo” é mesmo afeito a simbologias e isso é um dos pontos que o faz tão distinto enquanto thriller psicológico. Ele observa a dinâmica de poder entre o casal, afetada pelo fato novo da promoção, mas também se debruça sobre esse plano misógino em que habitamos. Nesse sentido, a figura de Campbell (o excepcional Eddie Marsan), o chefe da corretora em que os protagonistas trabalham, é essencial, já que ele parece ser o único em cena não guiado por questões de gênero quando isso parece influenciar, positiva ou negativamente, todo o resto.

Não se engane. Campbell é um tubarão e reconhece em Emily outro, mas ela ainda não consegue dar vazão a esse instinto, e o filme também se ocupa disso. De emancipação e empoderamento em territórios tão hostis como o mercado financeiro e um relacionamento amoroso (!). Repare, que quando promovida, Emily não consegue ficar tão feliz por imediatamente temer o impacto da notícia em Luke. É uma reação que extrapola sentidos tanto em seu contexto intimo como no jogo social. Em outro momento, Campbell a chama de “vadia idiota”, em um gesto de igualdade dos sexos difícil de ser percebido como tal no ato, por conta de uma operação equivocada que ela fez – ainda que influenciada por Luke.

Esses são lampejos de um filme cheio de potência e ideias bem oxigenadas. Domont ainda tem o mérito de buscar planos e enquadramentos que favoreçam essas ideias e consolidem a inquietação na audiência. “Jogo Justo” tem uma moral, mas antes disso, desenvolve sua tese com afinco, entusiasmo e inteligência, sem deixar a peteca cair no aspecto dramático. Um dos melhores filmes de 2023!

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