Greves em curso em Hollywood impactaram o Festival de Veneza, mas não geraram o esvaziamento de interesse e sentido imaginado pelos mais pessimistas
Por Mariane Morisawa, de Veneza
O tráfego de barcos trazendo astros e estrelas da cidade de Veneza para o Lido, onde acontece o Festival de Veneza, costuma ser intenso nesta época do ano. Mas nem tanto nesta 80ª edição, que se encerra no sábado (9). O motivo é a greve de atores e roteiristas de Hollywood.
Logo no dia da abertura, o presidente do júri, o diretor e roteirista americano Damien Chazelle, o cineasta e roteirista inglês Martin McDonagh e a diretora americana Laura Poitras usaram camisetas de apoio à Writers Guild of America (WGA, o Sindicato dos Roteiristas dos Estados Unidos). Chazelle criticou a tendência de chamar filmes e séries apenas de conteúdo em vez de arte. “Há muitas pessoas que adorariam estar aqui e não estão. É uma época difícil em Hollywood, especialmente para roteiristas, atores e equipes”, disse. A camiseta foi uma forma de reconhecer essa dificuldade.
A composição do júri, aliás, levou em conta a greve. Nenhum ator ou roteirista americano participa. Além de Chazelle, McDonagh e Poitras, vão escolher o Leão de Ouro a cineasta neozelandesa Jane Campion, o ator palestino Saleh Bakri, a diretora francesa Mia Hansen-Løve, o diretor italiano Gabriele Mainetti, o diretor argentino Santiago Mitre e a atriz chinesa Shu Qi.
Os filmes produzidos e distribuídos por membros da AMPTP (Alliance of Motion Picture and Television Producers, ou Aliança de Produtores de Cinema e Televisão, que reúne os principais estúdios, além da Amazon, Apple e Netflix) não puderam contar com a presença de seus talentos no tapete vermelho ou nas coletivas de imprensa.
É o caso de “Pobres Criaturas”, dirigido por Yorgos Lanthimos e distribuído pela Disney, “Maestro”, de Bradley Cooper, e “O Assassino”, de David Fincher, ambos da Netflix. No caso de “Pobres Criaturas”, não passaram por Veneza Emma Stone, Mark Ruffalo ou Willem Dafoe. Quem respondeu às perguntas dos jornalistas e posou para fotos foram membros da equipe, como o diretor de fotografia Robbie Ryan, a maquiadora e cabeleireira Nadia Stacey, a figurinista Holly Waddington, o designer de produção James Price, o compositor Jerskin Fendrix e os produtores Ed Guiney e Andrew Lowe, além do diretor Yorgos Lanthimos.
David Fincher veio acompanhado do montador Kirk Baxter, do diretor de fotografia Erik Messerschmidt e do designer de som Ren Klyce, em vez de Michael Fassbender. No caso de “Maestro”, nem o diretor Bradley Cooper, que também é ator e roteirista do filme, compareceu. Seus representantes foram o designer de som Steve Morrow, o designer de produção Kevin Thompson, o designer de maquiagem Kazu Hiro, o figurinista Mark Bridges, a montadora Michelle Tesoro, o consultor de condução de orquestra Yannick Nézet-Séguin e os filhos de Leonard Bernstein e Felicia Montealegre, os personagens do filme.
Nem o longa-metragem francês “La Bête”, dirigido por Bertrand Bonello, escapou das consequências da greve. A atriz francesa Léa Seydoux e o ator inglês George McKay não estiveram em Veneza em solidariedade a seus colegas membros do SAG-AFTRA e WGA.
As exceções
Já Adam Driver e Patrick Dempsey, de “Ferrari”, acharam que a melhor maneira de apoiar a greve era estar, sim, em Veneza, depois que a produtora e a distribuidora do filme independente aceitaram os termos do acordo provisório enquanto não há um contrato final. “Estou muito orgulhoso de ser uma representação visual de um filme que não faz parte da AMPTP”, disse Driver na coletiva de imprensa. “Um dos objetivos é justamente perguntar por que companhias de distribuição pequenas como a Neon e a STX conseguem atender às demandas do sindicato, enquanto empresas grandes como a Amazon e a Netflix não conseguem.”
Além de “Ferrari”, “Priscilla” e “Dogman”, de Luc Besson, conseguiram autorizações especiais depois de concordar com os termos do acordo provisório do SAG-AFTRA. Por isso, além de Adam Driver e Patrick Dempsey, Jacob Elordi e Cailee Spaeny, do filme de Sofia Coppola, e Caleb Landry Jones, da produção dirigida por Besson, também estiveram em Veneza.
O diretor Michael Mann fez uma declaração de apoio à greve. Sofia Coppola, que apresenta “Priscilla”, também. “Eu apoio a luta dos sindicatos. Espero que se resolva logo, porque todos queremos voltar a trabalhar”, disse. Já David Fincher foi criticado por dizer que ficava triste pela situação e que entendia ambos os lados. “Tudo o que podemos fazer é encorajar as negociações”, disse. “Eu fico muito triste, obviamente. Estou no meio dos dois.”
O próprio Festival de Veneza soltou um comunicado, dizendo: “A Biennale di Venezia (a entidade que organiza o festival, entre outros eventos, como a Bienal de Artes e a Bienal de Arquitetura) espera que as demandas envolvidas nas greves atuais sejam resolvidas da melhor forma, o mais rapidamente possível, e que a resposta positiva do público no Lido represente um ato de respeito e apoio para autores e artistas participando da greve e pelo Festival de Veneza em si”. O Festival de Veneza anunciou que, nos primeiros cinco dias da 80ª edição, houve um aumento de 9% na venda de ingressos e de 18% na admissão nas salas em relação a 2022.