As engrenagens do Teatro Oficina estão no cerne do documentário “Máquina do Desejo”, uma espécie de testamento da arte inquieta de Zé Celso
Por Reinaldo Glioche
O timing não poderia ser mais estranhamente complexo para o lançamento de um filme sobre a fantástica trajetória de José Celso Martinez Corrêa, o inigualável Zé Celso, do que este; poucos dias depois da morte do escritor, dramaturgo, ator, encenador e, fundamentalmente, força motora do Teatro Oficina, seu maior palco e objeto desse documentário assinado por Joaquim Castro e Lucas Weglinski.
A dupla de diretores transformou ao longo de sete anos um acervo de mais de seis décadas de registros; entre filmagens de cineastas e videomakers, arquivos de cinematecas, TV’s nacionais e internacionais, além de muitas gravações feitas pelo próprio Teatro Oficina, resultando no maior registro histórico de uma das mais longevas companhias de teatro em atividade permanente do Brasil.
O resultado é uma salada antropofágica, à moda Zé Celso, que busca amparo em quem já tem na arte, especialmente naquela postulada por uma das figuras mais representativas da cultura brasileira pós- século XX, um porto-seguro, um norte antropológico.
Essa assunção não implica dizer que se trata de um filme que aliena parte de sua plateia, mas em reconhecer que ele demanda um paladar específico para sua melhor apreciação. É como, para fazer uma analogia nem tão simplória, servir um Château Margaux Premier Grand Cru Classé para quem não gosta, ou não tem por hábito, beber vinhos.
É, portanto, um filme de nicho, como o era a arte de Zé Celso, uma figura propositadamente afastada de prepostos como Jô Soares ou Rita Lee, para citar grandes artistas brasileiros que partiram recentemente. Não é uma ruptura, mas para um filme, embora mescle-se indissociavelmente ao legado de Zé Celso e do Teatro Oficina, é um desalento porque “Máquina do Desejo” se propõe mais à mescla do que a ampliação deste legado.