Search
Close this search box.

Regulação da mídia, combate às fake news e protecionismo digital

Brasil quer regular mídia, combater fake news e conter poderio das Big Techs com uma mesma lei, mas talvez não seja essa a melhor alternativa

Por Reinaldo Glioche

A ideia de regular mídia existe desde o primeiro governo Lula. De lá para cá, ganhou muitos simpatizantes e até a grande imprensa, que em 2002 era radical e peremptoriamente contrária a ideia se mostra favorável. O que mudou? Certamente a era da pós-verdade, cujo marco zero data da eleição de Donald Trump em 2016 e do Brexit, contribui para o realinhamento, mas o ponto decisivo é mesmo a maneira como as Big Techs, em especial o Google, mudaram o jogo da publicidade.

Desde o surgimento da internet, as empresas de comunicação penaram para domar a publicidade digital e o modelo de negócio perdeu consideravelmente rentabilidade. No Brasil, onde os principais jornais pertencem a grupos familiares, esses negócios estão escorados em outros, sejam plataformas educacionais ou bancárias, como o PagSeguro do UOL.

close up photography of smartphone icons
Foto: Pexels

O Google mudou a dinâmica do mercado de uma maneira brutal e inexorável. No mundo, mas especialmente no Brasil, uma empresa não sobrevive tendo o jornalismo como sua única atividade-fim.

Então o que realmente fez as empresas jornalísticas mudarem de posição sobre a regulação da mídia, um conceito cada vez mais aberto com o advento das mídias sociais, foi a necessidade de tirar poder das Big Techs. Nesse sentido, o combate às fake news é mais um pretexto do que um objetivo. O ordenamento jurídico brasileiro, para ficar apenas no nosso quintal, já apresenta remédios e instrumentos suficientes para tal.

Constituição e leis ordinárias também ostentam mecanismos para exercer uma regulação sutil e pontual da imprensa. O que não há previsão é de como vetar a remuneração por parte das Big Techs de blogs que sustentem narrativas que não necessariamente encontrem respaldo em fatos verificáveis sem incorrer em censura.

Vale lembrar que governos sempre foram generosos na liberação de verbas publicitárias para veículos que lhe fossem simpáticos. A questão aqui trata-se de controle da narrativa e, por que não, do fluxo financeiro.

Esse foi um dos grandes temas submersos nas eleições de 2022, em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sem qualquer previsão legislativa, atuou de maneira criticável removendo conteúdos, tirando plataformas do ar, dimensionando discursos de candidatos, entre outros arroubos autoritários.

Desaceleração

O governo Lula, com o apoio da grande imprensa, tentou apressadamente aprovar o PL 2630, nomeadamente de PL das fake news, mas esbarrou na resistência de setores da sociedade civil insatisfeitos com muitos aspectos da lei. Desagradou, também, o fato do texto tratar mais da publicidade digital do que das tais fake news, além de conferir poder de patrulha para as redes sociais, abrindo perigosos precedentes para censura prévia. Havia riscos palatinos à liberdade de expressão e a quem restaria a tarefa divina de determinar a verdade? A chiadeira foi grande, mas foi o lobby das Big Techs que fez o projeto de lei estacionar.

O governo sequer considera mais viável aprovar o texto neste ano e mira uma minirreforma eleitoral para focar mais especificamente no combate às fake news, ainda que em um contexto muito específico, e assim evitar o carnaval que o TSE patrocinou em 2022.

Esse passo atrás é importante porque os temas, embora correlatos, são distintos e merecem tratamento distinto. Há, ainda, uma agravante: o advento das inteligências artificiais, que já mobilizam a agenda de governos em todo mundo, mas no Brasil engatinha. Em todos os setores, da saúde ao financeiro, passando pela educação e indústria, há o clamor por se enfrentar a matéria o mais rápido possível.

Diferentemente da regulação da mídia, que não é exatamente regulação de mídia, não há previsão constitucional para como lidar com as inteligências artificiais, os limites éticos, repercussões, etc.

E é possível, em um mesmo pendor, regular as Big Techs e as IAs, já que são essas as empresas que lideram a corrida pelo desenvolvimento da inteligência artificial em diferentes frentes e campos.

Protecionismo digital

Estamos perdendo o bonde da história e é imperativo reconhecer que trata-se de uma questão que demanda debates e estudos. Equalizar um mercado desequilibrado é um desejo nobre, mas é preciso fazê-lo com correção para não gerar mais distorções e desequilíbrios. O excesso de regulação não promove nenhum bem e convém avocar Carlos Drummond de Andrade: “o excesso de leis feitas para o bem do povo acaba por sufocá-lo”.

Michel Temer foi contratado pelo Google para fazer lobby junto ao Congresso | Foto: Agência Brasil

É improvável que o Brasil se debruce sobre a questão da inteligência artificial tão logo, mas o redimensionamento de como a publicidade digital é praticada no País certamente será apreciado pelo Congresso ainda nessa legislatura.

Neste momento, há a disposição de drenar as Big Techs ao ponto de tornar quase impraticável seu modelo de negócio. O ministro da Justiça Flavio Dino, inclusive, revoltou-se com a mera possibilidade dessas empresas se manifestarem em um debate que lhes inclui.

Mais do que ser republicano, característica em falta no debate público até aqui, o que se demanda para dar seguimento a esta matéria tão importante que é prover uma internet segura e um ambiente de negócios mais justo e coeso no digital é serenidade. Qualidade rara em nossos homens públicos.

Justamente por isso, uma baliza deve ser evitar o protecionismo digital e a insegurança jurídica. Pautas até aqui umbilicalmente relacionadas ao debate. Não reconhecer essa realidade, sim, é incidir em fake news.

Deixe um comentário

Posts Recentes