Quaisquer atos que, sob o epíteto de regulação, impliquem na restrição aos direitos constitucionais ou ao enfraquecimento do campo democrático devem ser freados. Nesse contexto, como regular a mídia sem ensejar eventualmente em censura?
Por Mariana Bueno
A regulação da mídia é um assunto que vem sendo bastante discutido, sobretudo depois da posse do atual presidente da República Luís Inácio Lula da Silva (PT), que, pouco antes das últimas eleições, em outubro de 2022, afirmou que, se eleito, iria “regular os meios de comunicação”.
Agora a expectativa é de que a bandeira, que já fez parte de outros governos do partido, do próprio Lula e de Dilma Rousseff, mas não foi para frente, seja finalmente retomada. E há cada vez mais adeptos da tese.
Em países como Inglaterra, Estados Unidos, Suécia, França, Canadá e outros, a regulação da mídia já é uma realidade. Já no Brasil, o assunto ainda gera muitas dúvidas e discussões polêmicas, principalmente por ser confundido por muitos com uma possível medida de censura.
Mas o objetivo de uma regulação é exatamente o oposto: é garantir mais diversidade e mais pluralidade nos conteúdos que são difundidos pelos meios de comunicação, fortalecendo a democracia.
E especialmente nas eleições de 2018 e 2022, diante de uma grande onda de desinformação espalhada pelas redes sociais, muito se falou sobre o papel da imprensa nessa defesa da democracia.
No entanto, para que a discussão sobre o assunto avance e uma nova proposta possa ser aprovada, é importante entender melhor cada tipo de mídia e como seria o funcionamento dessa regulação na prática.
Projetos que tratam sobre regulação da mídia
De acordo com a Agência Câmara de Notícias, atualmente há mais de 50 projetos sobre regulamentação da mídia e fake news tramitando na Câmara dos Deputados.
Um dos mais recentes é o PL 2927/20, dos deputados Tábata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES), que propõe a criação da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência Digital, com normas que pretendem evitar conteúdos nas redes sociais e aplicativos de mensagens que possam causar danos.
A finalidade é a mesma do PL 2630/20, do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), conhecido popularmente como o PL das Fake News, que também trata do combate à disseminação de notícias falsas, especialmente em relação à responsabilidade dos provedores na disseminação de conteúdo. Este foi o projeto que mais avançou até o momento, com aprovação no Senado em junho de 2020 e posteriormente encaminhado à Câmara dos Deputados.
Vale lembrar que já existe uma lei em vigor (Lei 13.834/19) que pune a divulgação de notícias falsas com finalidade eleitoral com pena de dois a oito anos de prisão. No entanto, o objetivo dos novos projetos é ampliar para diferentes tipos de fake news, não apenas no âmbito político.
Além disso, é interessante analisar os projetos voltados para a Internet de forma diferente dos que são voltados para a televisão, o rádio e os veículos impressos mais tradicionais, ao invés de pensar na regulação da mídia como algo único. “‘Mídia’ é muita coisa. E cada plataforma demanda formas distintas de regulamentação (ou não)”, diz o jornalista Ivan Moraes, vereador em seu segundo mandato na Câmara Municipal do Recife.
Ele explica que, normalmente, quando se fala em “regulamentação”, se está falando da regulamentação da radiodifusão. “A internet é regulada pelo Marco Civil, embora ainda com muitas lacunas. E a mídia em papel, por trafegar principalmente em meios privados, demanda menos controle, a não ser em casos de calúnia, difamação e outros semelhantes”, pontua.
Moraes esclarece também que a radiodifusão, por menos que se queira dizer, também é regulada por leis. “As primeiras são da década de 1930, com Getúlio Vargas. E a maior parte da regulamentação mais recente é da década de 1960, nas vésperas do golpe de 64, o que não deixa de ser emblemático”, afirma.
Há regulamentações ainda mais recentes, como a lei das rádios comunitárias, a do acesso condicionado e as que estabelecem as bases da TV digital. “Mas o que a gente precisa é de uma nova regulamentação que parta principalmente do princípio de que é necessário ter regras que permitam que mais vozes possam também ocupar este espaço”, acredita o jornalista.
Para a jornalista Rita Casaro, secretária de Comunicação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), entidade que reúne diversos grupos que defendem mudanças na regulação, um ponto importante é ampliar e fortalecer a comunicação pública e comunitária, assim como a mídia popular e independente. “São aspectos fundamentais da democratização”, diz.
Ela diz ainda que não é admissível que algumas poderosas empresas privadas operem a comunicação e a informação como melhor lhes convém, sem transparência ou prestação de contas à sociedade. “Para mudar essa situação, há que existir uma regulação, que precisa obviamente ser debatida ampla e democraticamente”.
Regulamentar não é censurar
O debate amplo é essencial, principalmente para esclarecer as muitas confusões que ainda existem entre regulação e censura, o que acaba gerando polêmicas. E é importante esclarecer que a regulação é definida como “ato de estabelecer normas”, melhorando o funcionamento da comunicação e até mesmo aumentando o espaço para que a sociedade expresse suas ideias.
“O primeiro ponto a ser levado em consideração é que a proposta das organizações que defendem a democratização da comunicação no Brasil nada tem a ver com censura ou com cerceamento à liberdade de expressão. Trata-se exatamente do oposto disso”, explica Rita Casaro. O objetivo é dar pluralidade, garantindo que todos tenham direito à informação de qualidade e de se manifestar livremente dentro das regras democráticas”, complementa.
É necessário lembrar também que a liberdade de expressão é um direito humano e, no Brasil, também constitucional. Mas, para Rita, é impossível alcançar esse objetivo em um cenário de concentração dos meios de comunicação – seja pelos tradicionais grupos econômicos que operam no país e controlam concessões públicas de rádio, TV, jornais, revistas, agências e portais de notícias, seja pelas big techs que dominam a Internet e boa parte do debate público.
A advogada Camila Pintarelli, membro da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SP, esclarece que regular nunca foi sinônimo de censurar, pois o ato de regular visa simplesmente conferir nortes e balizas, com o objetivo de afinar a atuação individual e coletiva em um determinado contexto social.
Ela defende que as iniciativas regulatórias relacionadas à mídia, sempre que tiverem por objetivo a tutela das máximas de nosso Estado Democrático e a amplificação dos direitos fundamentais, acabam por potencializar a liberdade de expressão e de informação.
Por outro lado, a advogada entende que quaisquer atos que, sob o epíteto de regulação, impliquem na restrição a esses fundamentos ou no enfraquecimento do campo democrático brasileiro, não podem sequer ser chamados de regulação, mas sim de censura.
E lembra que, nesse caso, o Brasil conta com instituições constitucionalmente constituídas e legitimadas a analisar a situação e combater essa forma inconstitucional de controle e restrição da liberdade de expressão e de direitos fundamentais.
A mídia em outros países x a mídia no Brasil
Além de entender as garantias constitucionais brasileiras, ver o exemplo de outros lugares pode ajudar a jogar ainda mais luz sobre o debate acerca da regulação.
Ana Carolina Westrup, representante do Intervozes, coletivo que luta por uma mídia democrática e uma Internet livre e plural no Brasil, explica que diversos países têm vivências de regulação e que o cenário internacional já compreende essa necessidade e aposta nisso. “Na América Latina temos o Uruguai e a Argentina. Ainda nas Américas, temos os Estados Unidos. Na Europa temos a Alemanha, a Inglaterra e a França”, lista.
Ela aponta ainda que em outros países a discussão sobre a regulação da mídia já está avançada e abarca, por exemplo, a relação com as produtoras independentes, reconhecendo a importância do papel da comunicação pública.
Mas, por aqui, esse é um debate que ela acredita ainda ser interditado, com discussões que sempre têm uma série de distorções. “Isso acontece porque comunicação é poder e também pela maneira como historicamente os meios de comunicação se constituíram no Brasil, intrinsecamente ligados à iniciativa privada, com interesses exclusivamente comerciais e políticos. Acabamos ficando reféns de um uso dos meios de comunicação que privilegia fins privados e não o exercício da cidadania, da democracia, da participação social, da diversidade de olhares e das múltiplas representações do que significa o Brasil”, lamenta.
Para ela, a discussão sobre a regulação das plataformas vem de um acúmulo de questões, que perpassam também pelo cenário das mídias tradicionais. As plataformas digitais se tornaram os grandes espaços de mediação social, onde as relações sociais estão cada vez mais sendo estabelecidas e mediadas por algoritmos e por comportamentos inautênticos. E pensar a regulação de plataformas é pensar que tipo de intervenção queremos fazer em um espaço em que a sociedade brasileira está intrinsecamente conectada.
Outro aspecto fundamental à democratização da comunicação é a universalização da Internet de qualidade. Segundo dados do Cetic.br, embora mais de 80% dos domicílios tenham acesso à Internet, ainda há cerca de 35 milhões de brasileiros desconectados e um contingente ainda maior sem o chamado “acesso significativo”, que permite usufruir efetivamente da rede, assistir a uma aula ou utilizar um serviço público, por exemplo, sem limitações.
“Apesar de parecer que avançamos em termos de garantir conexão à Internet para a população, quando olhamos a fundo para os dados vemos que a maior parte do acesso se dá apenas via celular, com pacotes de dados restritos, nos quais grandes empresas de Internet fazem acordos com grandes empresas de telecomunicações para restringir o acesso a uma única plataforma, como é o caso do WhatsApp e do Facebook, fortalecendo a lógica dos monopólios”, pontua Ana Carolina. “E os algoritmos vêm sendo utilizados para criar um fluxo de comunicação cada vez mais próximo do que a pessoa pensa, não dando possibilidade de ver outras ideias, de ter contato com o contraditório. Isso ajuda a produzir bolhas ideológicas, por exemplo”, completa.
Nesse cenário, surgem uma série de projetos com foco em lutar contra a disseminação de notícias falsas por meio das redes sociais. O jornalista Ivan Moraes acredita que a discussão sobre Internet e redes também precisa avançar, no sentido de mostrar que essas plataformas não podem ser “terra de ninguém”. “Há um longo caminho e uma longa discussão sobre o caráter ‘democratizante’ da Internet. O ambiente digital ainda não é, mas pode ser um ambiente bem mais livre do que a radiodifusão”, afirma.
Mas, para ele, isso só pode acontecer se levarmos em conta a necessidade de termos regras que garantam a liberdade de expressão, o direito à privacidade, a garantia do acesso à banda larga de forma universal, além da imprescindível neutralidade da rede. “Enquanto for um luxo a possibilidade de checar a ‘notícia’ que chega pelo Whatsapp, não dá para pensar em democracia”, observa.
Ou seja, não dá para considerar que com o espaço para novas vozes e circulação de mais opiniões a sociedade estará mais bem informada. E, para estimular a produção de conteúdos locais, é preciso que esses conteúdos sejam de fato reais, acessíveis a todos, e que tenham credibilidade.
PL das Fake News
Diante de todas essas questões, no dia 25 de abril deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou, por 238 votos favoráveis e 192 contrários, a urgência do PL das Fake News, que poderá ser votado em plenário sem que seja necessário passar pelas comissões.
O projeto regulamenta o que são contas verdadeiras e o que são contas falsas em redes sociais. Identifica também as contas tipo robôs, que serão proibidas. E obriga a identificação destacada dos conteúdos que são impulsionados nas redes de forma paga.
Para os aplicativos de mensagens como Whatsapp e Telegram, será vedado o compartilhamento massivo e simultâneo. E as mensagens disparadas desta forma deverão ficar armazenadas por pelo menos três meses. Esses aplicativos serão obrigados, ainda, a suspender as contas de usuários condenados por atividades ilícitas.
Ainda de acordo com o projeto, as redes sociais terão de facilitar a identificação dos responsáveis por contas falsas, robôs ou postagens criminosas para as autoridades, entre outros pontos.
Em carta, o Google criticou a urgência e defendeu que é preciso debater mais para termos uma regulação eficiente e equilibrada. “Uma legislação apressada pode piorar o funcionamento da Internet, cercear direitos fundamentais, favorecer determinados grupos ou setores da economia e criar mecanismos que coloquem em risco discursos legítimos e a liberdade de expressão”.
Na mesma semana, a União Europeia publicou uma lista de plataformas digitais que passarão por uma regulação mais rígida a partir do segundo semestre. Entre elas estão algumas com milhões de usuários, como TikTok, Twitter e Instagram, além do próprio Google.
Já no Brasil, o relator do PL das Fake News no Senado, Ângelo Coronel (PSD-BA), disse que não dá para culpar as empresas, já que não são elas que fazem as postagens. Disse também que irá aguardar as mudanças propostas para então retomar as discussões no Senado com as Big Tech, que são as grandes empresas de tecnologia.
Por outro lado, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, propôs algumas sugestões ao PL, como a responsabilização das plataformas pelos conteúdos distribuídos de forma artificial por impulsionamento e pagamento. E também por não tirarem do ar as contas inautênticas ou que descumprirem regras.
A ideia do governo federal em médio prazo é que o projeto siga os moldes da União Europeia, com regras e punições mais rígidas, sempre buscando frear a disseminação de notícias falsas.
O secretário de Políticas Digitais do governo, João Brant, durante participação em um evento realizado pela Unesco em Paris, disse em entrevista à CNN que o projeto que será aprovado é o PL 2630 com propostas de alteração do governo, mais propostas do Ministério da Justiça.
No mesmo evento, ele leu uma carta do presidente Lula à Unesco defendendo a regulamentação. “A regulamentação deve garantir o exercício dos direitos individuais e coletivos. Ela deve corrigir distorções de um modelo de negócios que gera lucros explorando os dados pessoais dos usuários. Para ser mais eficiente, a regulamentação das plataformas digitais deve ser projetada com transparência e participação social”, diz um trecho da carta.
A advogada Camila Pintarelli acredita que a estrutura de co-regulação trazida no PL em questão parece estar alinhada ao propósito de conjugar a liberdade de expressão e informação com a responsabilização.
Assim, a liberdade constitucional de informação e expressão poderá ser plenamente exercida, ao passo que as atitudes isoladas que prejudicam a boa informação ou que representam verdadeiros abusos de expressão serão legalmente repelidas. “Divulgar notícias falsas, estimular o ódio e a discriminação, disseminar a desinformação e difundir teorias conspiratórias são condutas que, à evidência, não encontram amparo na garantia constitucional de liberdade de expressão e de informação”, diz a advogada.
Já o advogado André Marsiglia, que atua em casos envolvendo liberdades de expressão e censura, acredita que o PL das Fake News é mal feito, mal digerido pela sociedade, com poucos debates e sempre os mesmos debatendo. Para ele, o risco maior está na forma de condução imposta pelos poderes da república ao tema. “A regulação das mídias, em si, não é o problema. O problema é não estar claro o que querem com isso. O perigo da censura nunca está no tema da lei, mas nela ser mal feita e deixar caminhos para a interpretação arbitrária”.
Marsiglia pontua ainda que o excesso regulatório, neste caso, está em desacordo com a intenção de nossa Constituição. E diz que regular a mídia não pode significar regular a imprensa ou perseguir usuários que se manifestam nas redes sociais. “Já há muitas leis para a imprensa. E o Estado não pode controlar o discurso do usuário para além do previsto na Constituição, nem exigir que as plataformas façam trabalho de polícia e juiz”, opina.
Ele acredita que uma lei séria de regulação de mídia deve passar por uma regra que obrigue as plataformas a nos mostrarem quais critérios utilizam para gerenciar seus algoritmos, criando e manipulando bolhas a seu bel-prazer, privilegiando este ou aquele grupo, este ou aquele produto, ideologia ou político. “Ou seja, uma regulação que cobre transparência às plataformas, e não que as autorize a perseguir perfis de usuários e a controlar veículos de imprensa. Mas uma regulação séria interessa a muito pouca gente”.
Os novos projetos e a Constituição
Ao pensar em regulação da mídia e em projetos com regras voltadas para os conteúdos digitais, é importante entender todo o contexto no que diz respeito à circulação de informação no Brasil.
A Constituição Brasileira diz que “a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição”. Porém, há que se levar em conta também que muita coisa mudou em relação às formas de divulgação nos últimos anos.
Antes, a difusão da informação estava concentrada nos meios considerados tradicionais como TV, rádio, jornais e revistas. E, hoje, temos novos e diferentes mecanismos de atuação, como redes sociais e outras plataformas digitais.
Segundo levantamento do Instituto DataSenado, em 2022, 90% dos brasileiros usavam redes sociais e 25% dos brasileiros procuravam informações sobre política nas redes sociais. “Se por um lado isso demonstra maior participação social na construção e na divulgação da expressão e da informação, por outro não se pode perder de vista que deve-se sempre resguardar os valores do Estado Democrático de Direito brasileiro, o que evidentemente não ocorre em um cenário de estímulo à desinformação, a discursos de ódio e de discriminação, e a teorias conspiratórias”, afirma a advogada Camila Pintarelli.
Está também na Declaração Universal de Direitos Humanos, artigo 19: todos têm direito a buscar, receber e compartilhar informação. E a comunicação é uma atividade econômica e um bem público, é um direito previsto na Constituição. Porém, sem diretrizes regulamentadas por lei, o que dificulta a fiscalização.
Além disso, no Brasil, cerca de 50% da mídia é controlada por apenas cinco famílias, o que pode ser considerado um oligopólio (quando poucas empresas dominam um mesmo mercado).
Nos principais grupos – Globo, Bandeirantes, Record, RBS e Grupo Folha – o conteúdo também é concentrado geograficamente, com forte domínio das regiões Sudeste e Sul. E sempre alinhados com os interesses das empresas que detêm os meios de difusão. Ou seja, são bens públicos sendo usados na defesa de interesses econômicos e políticos.
Tudo isso impossibilita que haja uma verdadeira pluralidade, o que é essencial em um Estado democrático de direito. “O histórico do Brasil, infelizmente, foi muito construído a partir de um privilégio de uso da iniciativa privada para este tipo de serviço público desde o início da rádio e TV no país”, lembra Ana Carolina.
Assim, antes de mais nada, é preciso compreender que os meios de comunicação são concessões públicas, que precisam ser reguladas e que precisam respeitar o preceito constitucional. “Estamos falando de um espaço onde se exerce a cidadania, de exercício democrático, e que não pode ficar sob a égide de um interesse apenas comercial e político. A regulação que nós defendemos é uma regulação econômica, anti monopólios e contra a propriedade cruzada, que já é proibida pela Constituição. Precisamos criar um sistema paritário entre mídia comercial, pública e estatal para que os meios de comunicação possam, de fato, servir aos interesses da sociedade”, afirma.
Regulação da mídia e jornalismo
Em relação ao jornalismo, a regulação é um assunto ainda mais polêmico, principalmente porque gera dúvidas e faz com que muita gente acredite que a regulação da mídia possa acabar funcionando como um tipo de censura.
Para o jornalista Ivan Moraes, é justamente o contrário disso. Ele acredita que uma regulação é o que pode fazer com que a maior parte da população, que historicamente foi excluída (ou seja, censurada) da possibilidade de participar do discurso público, possa participar desses discursos. “Estou cada vez mais convicto de que o jornalismo só pode existir plenamente no campo público (não estatal, não privado). Apenas com liberdade para investigar e noticiar o jornalismo pode ser independente de fato. E são justamente os meios independentes, comunitários e populares que podem, mais do que ninguém, elucidar a população sobre este mito esdrúxulo e sem nenhum respaldo na realidade que associa regulação a censura”, diz.
Rita Casaro compartilha de uma opinião semelhante. “Os meios que detêm o maior poder de difusão hoje são exatamente aqueles a quem não interessa qualquer tipo de regramento. Esse é o grande desafio, já que a ideia de regulação é imediatamente taxada de censura”.
Ela acredita que é preciso demonstrar que criar normas legais de transparência e responsabilidade, fazer cumprir a Constituição e assegurar o respeito ao Estado de Direito, são medidas que ajudarão a dar voz à maioria da população e não apenas a grupos privilegiados. “Isso significa de fato democratizar a comunicação e ampliar a liberdade de expressão. Ou seja, é o oposto da censura”.
Para Ana Carolina, essa confusão entre regulação e censura acontece também porque as pessoas têm dificuldade de compreender que rádio e TV são serviços públicos, como qualquer outro serviço. São concessões públicas. “Quando olharmos para as áreas da saúde e educação, por exemplo, já existe uma compreensão de que é preciso reivindicar políticas públicas, de que esses serviços precisam ser regulados e precisam servir à sociedade. Mas não temos essa compreensão quando o assunto é comunicação”, lamenta.
Com uma regulação da mídia, a expectativa é de que haja estímulo à produção de conteúdo local, com maior participação de diferentes regiões e setores, ampliando os espaços de expressão e garantindo mais liberdade de informação e uma “multiplicidade de vozes”.
“O Brasil é o país que mais consome redes sociais no mundo, somos um país midiático, a comunicação nos transpassa. Portanto, regular os meios tradicionais e as plataformas digitais é fundamental para que a gente possa garantir uma democracia saudável”, diz Ana Carolina.
Para Camila, o melhor caminho não é apartar imprensa e redes sociais, mas sim aproximá-las de forma coordenada, propositiva e com mecanismos de responsabilização, de modo a proporcionar que as redes sociais e demais plataformas equivalentes comprometam-se a difundir a boa informação. “Pode parecer algo infactível para alguns ou não concretizável em um curto espaço de tempo, mas a construção de caminhos de aproximação é certamente uma solução mais democrática e inteligente do que a completa separação de tais instrumentos”, finaliza.