Longa já está no forno há mais de 20 anos, mas é indissociável o eco de alguns dos dogmas da filmografia de Nolan e o desapego para mandar toda a lógica às favas eventualmente
Por Reinaldo Glioche
É difícil entender porque “Hypnotic” existe. Mas a gente pode ser divertir tentando. O universo tentou sabotar, mas a perseverança de Robert Rodriguez, um mexicano que prosperou em Hollywood muito antes de Los Tres Amigos (Alfonso Cuarón, Alejandro González Iñarritu e Guillermo Del Toro) enfileirassem Oscars. O longa era um projeto antigo do responsável “A Balada do Pistoleiro” (1992) e “Sin City” (2005), mas a produtora que financiava o filme, a Solstice faliu durante o desenvolvimento. O tempo passou e o longa foi comprado pela Ketchup Entertainment, exibido ainda em uma versão não oficial no festival SXSW no início do ano e voilà.
A trama de “Hypnotic” apresenta muitos conceitos comuns aos filmes de Christopher Nolan, como manipulação temporal e distorção da realidade e embora Rodriguez já tivesse tudo desenhado antes de “A Origem” (2010) ajudar a pavimentar Nolan como um dos mais criativos e originais cineastas em atividade em Hollywood, é deverás divertido imaginar o longa como uma reposta cínica a tudo o que Nolan produziu desde então, especialmente os decepcionantes “Interestelar” (2014) e “Tenet” (2020).
Ben Affleck ativa seu modo canastrão, algo que parecia perdido desde filmes como “Aposta Máxima” (2013), e parece mais perdido do que o público conforme a trama avança. Poderia ser trágico para um filme que se levasse a sério, mas é apenas engraçado no contexto que “Hypnotic” se enuncia.
Affleck faz um detetive que está voltando ao trabalho mesmo com sua filha desaparecida, algo que enseja cuidados redobrados de seu parceiro, vivido por JD Pardo, mas quando a inesgotável investigação sobre o paradeiro de sua filha esbarra em um programa secreto do governo, toda a realidade do protagonista passa a ser questionada. Alice Braga faz uma medium que serve como auxiliar do protagonista.
Embora pareça que tudo deixa de fazer sentido em um determinado momento, e Rodriguez não exatamente se preocupa em amarrar pontas soltas, no fim a coisa faz sentido, embora tudo pareça um imenso apelo à condescendência – exatamente como em “Tenet”, por exemplo – o que coloca a experiência como um comentário algo malicioso sobre alguns dogmas de Nolan. Sob essa perspectiva, “Hypnotic” acaba sendo muito mais divertido do que talvez fosse se lançado há 10, 15 anos atrás.