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“Barry” e “Ted Lasso” e as séries que naufragam no hype

As multipremiadas produções da HBO e Apple se perderam em meio ao entusiasmo da crítica e à própria pretensão

Reinaldo Glioche

Meio eclipsado pelo apoteótico fim de “Succession”, “Barry”, uma das séries mais premiadas e festejadas pela crítica na atualidade, também chegou ao fim no último domingo (28) após 4 temporadas. Diferentemente da companheira de grade de programação na HBO, “Barry” teve uma jornada muito irregular. Começou como uma comédia de humor negro afiada sobre esse assassino de aluguel em crise existencial que começa a tomar aulas de teatro e acabou como algo muito mais pretensioso, ainda que oco, na sua denúncia de uma Hollywood nefasta e sobre a angústia de se fugir das garras do passado.

Imagem promocional da 4ª e última temporada de “Barry” | Foto: Divulgação

A criação de Bill Hader e Alec Berg teve um 1º ano disruptivo, que flertava com o surrealismo enquanto se assentava no nonsense, intercambiava drama e humor com engenhosidade singular. A 2ª temporada compreensivelmente teve uma oscilação – o primeiro ciclo foi um arrebatamento raro na cena da comédia americana – , mas ainda sustentava a essência da série. Aí veio a pandemia e um hiato de três anos.

“Barry”, série e personagem, voltaram transformados. No ínterim, outra comédia de meia hora tomou conta do coração da crítica e das premiações. “Ted Lasso”, lançada no auge da pandemia, em agosto de 2020, se tornou a ‘confort TV’ da temporada e galgou com força inesperada os degraus rumo ao olimpo da cultura pop. O afável personagem de Jason Sudeikis, um treinador de futebol americano que vai treinar um time inglês da segunda divisão de futebol tradicional, virou um estado de espírito, uma referência tão poderosa que os criadores entenderam que era preciso fazer mais.

A questão da saúde mental, uma preocupação perene potencializada pelos arroubos da Covid, foi introduzida meio desastradamente na trama, mas os atores deram conta do recado. Mas os episódios cada vez mais longos, o humor cada vez mais autoconsciente e didático foram alterando a própria natureza de “Ted Lasso”, que, assim como “Barry”, se desconcertou com o hype – da crítica, dos prêmios, mas fundamentalmente das redes sociais – e mergulhou na pretensão.

O 3º ano, anteriormente anunciado como o último e agora até mesmo essa certeza foi afastada, é uma frustração até mesmo para defensores ardorosos – e intransigentes – da produção.

O espanhol Pep Guardiola, técnico do Manchester City, faz participação especial no 3º ano de “Ted Lasso” |Foto: Divulgação

Padecendo no paraíso

É preciso coragem, em um contexto de crítica, de análise que se pretende imparcial, para apontar a decadência narrativa e estrutural de um programa bem sucedido. Do ponto de vista do fã, é preciso desprendimento e senso crítico para reconhecer essa condição. São características em escassez em face da superficialidade com que tudo é tratado hoje em dia. As próprias séries abraçaram essa superficialidade, numa espécie de pacto ocioso com sua audiência, entendendo que seus legados já estavam postos e inquebrantáveis.

Mas a revisão histórica costuma ser implacável e quando vier não será gentil com “Barry” e “Ted Lasso”, que de certa forma são epítomes de seu tempo, em que o hype a tudo transforma e na superficialidade das pretensões, nos perdemos de nós mesmos.

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