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Novela shakespeariana da melhor qualidade, “Succession” termina com integridade narrativa inviolada

Obra criada por Jesse Armstrong angariou fãs em todas as tribos possíveis, de noveleiros de carteirinha a executivos do mais alto pedigree e chega ao fim com episódio tão trágico quanto apoteótico. Cuidado com os spoilers

Por Reinaldo Glioche

“Nós somos bosta nenhuma”, brada Roman (Kieran Culkin) a seu irmão logo após uma altercação de repercussões indesviáveis entre ele, Kendall (Jeremy Strong) e Shiv (Sara Snook) no décimo e último episódio da quarta e derradeira temporada de “Succession”. Mais cedo na temporada, mais precisamente no 2º episódio, Logan (Brian Cox) havia feito um vaticínio que pesa como chumbo após o finale: “Eu amo vocês, mas vocês não são pessoas sérias”.

A realização de Roman, que talvez em meio o atropelo de desatinos seja aquele que realmente se permite a chance de arranhar um final feliz, é um dos grandes momentos de “Com Olhos Abertos”, episódio que oferece um fecho tão trágico quanto apoteótico para a trajetória da dinastia Roy. Em grande parte “Succession” era sobre como os filhos quebrantados gravitavam em torno do Deus Sol, Logan, e nos últimos episódios, na ausência desse sol, sobre como a sombra (o desgoverno, o despropósito) estava tomando conta de tudo.

A volta por cima de Tom Wambsgans

No domingo (28), dia do finale de “Succession”, um meme tomou conta do Twitter com a seguinte provocação: qual a melhor cena de “Succession”? Trata-se de um exercício, além de subjetivo, reducionista em um escopo tão rico como o que o programa da HBO oferece, mas havia um consenso silencioso ali: o personagem de Matthew MacFadyen aparecia em 8 de 10 apontamentos. Ainda que involuntária, essa manifestação massificada e desordenada trazia avante um fato importante da obra de Armstrong. O de que o marido, outrora cuckhold de Siobhan, era mesmo o grande MVP (jogador mais valioso) da série.

No melhor estilo, os humilhados serão exaltados, Tom termina a produção no topo em um final coeso, fiel aos acontecimentos e às verdades de todos os personagens – além de ruidosamente sintomático de como as coisas se dão em um contexto corporativo. Tom soube navegar o Deus Sol Logan melhor do que seus filhos e talvez Shiv só tenha atentado para este fato ali, na hora H de “Com Olhos Abertos”.

A ideia dele como preposto de si (ele só queria manter o emprego), de Shiv e de Lukas Matsson (Alexander Skarsgård) foi uma agenda de convergências muito bem alinhada. Shiv em uma só tacada tirou o objetivo de vida de seu irmão Ken, e não nos enganemos, o ressentimento aqui é uma força motora poderosa, como manteve-se in play, como disse o próprio Jesse Armostrong no minidoc que a HBO disponibilizou junto ao episódio final em seu streaming.

Shiv percebeu que teria mais influência sobre Tom do que sobre Kendall e que, assim, ainda gravitaria o poder de uma forma, senão ideal, bastante factível e convicta. Já Matsson deixou suas cartas todas na mesa. Não queria um parceiro, algo que Shiv não sabia não ser (ele só queria comê-la), mas uma “esponja de dor”.

Do brilhantismo característico dos diálogos, à altivez de Tom após a batalha vencida, essa versão ácida de “Macbeth” tornou toda a jornada de “Succession” ainda mais saborosa.

“Você é um intrometido desajeitado e ninguém confia em você. O único cara que torcia por você está morto. E agora, você está simplesmente casado com a filha do ex-chefe. E ela nem gosta de você. E você está completamente ferrado.”

Karl sobre as chances de Tom ser nomeado CEO interino da Waystar, no episódio 4 da temporada 4

A vitória de Logan

No fim, nenhum dos filhos o sucedeu. A venda da Waystar para a Gojo saiu e aquele que realmente mostrou instinto assassino, embora seja uma figura doce, amável e que “chupe o maior pau da sala”, sentou-se no trono.

Há diversas leituras possíveis de “Succession” e de seu final. Da incansável luta de Shiv contra o patriarcado e de sua resignação em “tornar-se sua mãe” à tragédia de filhos que não foram amados e precisaram lidar desastradamente com isso em meio a uma vida de luxo e ostentação.

“Vocês são como esponjas carentes de amor. E eu sou uma planta que cresce em rochas e se alimenta de insetos que morrem dentro de mim. Se a Willa não voltar, tudo bem. Porque eu não preciso de amor. É como um superpoder. E se ela voltar e não me amar, também está tudo bem, porque eu não preciso disso.”

Connor em um momento de inflexão devastadora em um karaokê com seus irmãos sobre o que seu futuro lhe reservava

Integridade narrativa

Fotos: Divulgação

É preciso dizer que “Succession”, embora com episódios em sua maioria irrepreensíveis, por vezes soava repetitiva. São as contingências de apostar em uma trama novelesca – ainda que o todo da obra tenha sucintos 39 episódios -, mas Jesse Armstrong tinha um plano e manteve-se fiel a ele até o fim. Mesmo com protestos de fãs, dos atores e mesmo da HBO, ele sentenciou que a 4ª seria a última temporada. “O nome da série é ‘Succession'”, chegou a brincar em março deste ano.

Até mesmo por isso, o final, no caso particular da série, importava tanto quanto a jornada – em mais uma subversão sutil que “Succession” propõe às tramas seriadas. E o fim veio com o desprendimento que um grande texto provê e que grandes atores avalizam. O triunfo de Tom é o triunfo da obstinação, do acatamento da ideia de que é melhor ser um rei fraco do que não reinar e está intrinsicamente ligado à lógica corporativa e ao cânone shakespeariano.

“Succession” sai da TV para entrar na história como um drama satírico de qualidade singular, que permitiu a seus atores monólogos poderosos, que divertiu com sua câmera voyeurística e com os cochichos do poder. Ao lado de “Game of Thrones” patenteia as intrigas palacianas como o melhor tipo de entretenimento dominical.

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