Nova série espanhola da Netflix tenta aproveitar a onda de mistérios que fazem sucesso, mas é incapaz de entregar uma produção de qualidade
Por Gabriela Mendonça
No embalo das produções espanholas que têm feito sucesso nos últimos anos, a Netflix estreou na última semana o mistério “Silêncio”. Estrelada por Arón Piper, que participou de outro sucesso do streaming, “Elite”, a série conta a história de Sergio Ciscar, jovem acusado de matar brutalmente os pais, ao derrubá-los da sacada do apartamento.
Desde sua prisão, ele decide não falar com ninguém, nem dar depoimentos sobre o que aconteceu, ou conversar com psicólogos. Mas sua pena é reduzida e ele sai antes do esperado, voltando para o apartamento onde a tragédia aconteceu.
O motivo de sua soltura é um trabalho chefiado pela psicóloga Ana Dussuel (Almudena Amor) que consegue convencer juízes, polícias e mais tantos órgãos governamentais a analisar os passos de Sergio, para determinar se ele é um psicopata que apresenta perigo para a sociedade, ou um homem digno de redenção.
Para isso, ela cria uma “experiência nefasta”, como um policial que acompanha o estudo descreve: insere câmeras escondidas por todo o apartamento, além de microfones, e coloca uma equipe para segui-lo pela cidade. Assim, ela acompanha cada movimento do jovem.
Embora não seja tão original, a história teria algum potencial, se fosse bem escrita. Mas o roteiro, desenvolvido pelo criador da série Aitor Gabilondo, poderia muito bem ser obra do ChatGPT dada a total falta de habilidade para desenvolver qualquer aspecto.
Em tese, Sergio é um protagonista interessante, justamente por levantar a questão se merece ou não redenção. Seu silêncio o torna misterioso e até o final ficamos cercados pela dúvida se foi ele mesmo quem matou os pais. Mas falta vontade de fazer alguma coisa além do óbvio, seja na sua amizade com uma admiradora secreta que adquiriu na prisão, Marta (Cristina Kovani) ou o líder religioso que o acolheu, Natanael (Ramiro Blas).
Ana acaba com a função de carregar a história, como a arquiteta desse Big Brother moderno, e sua obsessão pelo garoto, que aumenta a cada episódio, também ganha ares misteriosos. Um olhar mais aprofundado mostraria que Ana é a verdadeira vilã da história, ao tirar do rapaz sua liberdade e inseri-lo em situações de tensão para tentar arrancar dele a verdade sobre o ocorrido.
Mas falar em profundidade nessa série é desnecessário, pois é inexistente. Os personagens entram e saem de cena quando convém ao andamento da trama, e alguns têm pouco sentido além de criar conflitos e prolongar a história. O melhor exemplo é Eneko, vivido por um charmoso Manu Ríos, que aqui vê esse charme desaparecer em ternos bege.
Namorado de Marta, ele cai de paraquedas na vida de Sergio e se torna mais um que vê no “assassino da sacada” um perigo para todos que os rodeiam. Ao longo dos seis episódios, a série explora esse conceito de que uma pessoa pode ser boa ou não dependendo de quem a analisa.
Para Ana, Marta e Nataniel, ele merece uma segunda chance. Já o policial que acompanha o estudo, inspetor Cabrera (Aitor Luna), assim como Eneko, não vêem nada além de um psicopata perigoso.
Mas o pouco que conhecemos dos outros personagens também mostra que essa dualidade está presente em todos. Eneko pode ser violento, mas também é um homem trabalhador que sonha com um futuro com sua amada. O próprio Cabrera, que tem uma visão mais coerente sobre a experiência promovida por Ana, é corrupto e tenta atrapalhar o desenvolvimento. Natanael também não é o homem de Deus que aparenta ser.
Mas nada disso é trabalhado de forma sofisticada e a má direção impede que os atores consigam criar um personagem mais elaborado. Quem mais sofre com isso é Ana, que poderia muito bem ser ela mesma uma psicopata. Mas a atuação dura de Almudena também não oferece risco, nem transmite nenhuma sensação. Ao final, no último episódio, com uma resolução fraca e um cliffhanger desnecessário, ver Ana com Sergio chega quase a dar vergonha.
A verdade é que a Netflix tem priorizado a quantidade à qualidade e o resultado são produções esquecíveis, como é o caso de “Silêncio”, que não vale a maratona no streaming.