Produções que deram a largada na disputa pela Palma de Ouro têm a juventude como ponto de encontro. Figura proeminente no festival, Hirokazu Kore-eda agrada com “Monster”
Por Mariane Morisawa
O primeiro tema da competição do 76º Festival de Cannes foi a juventude. Tanto “Monster”, do japonês Hirokazu Kore-eda, que abriu a disputa pela Palma de Ouro, quanto “Homecoming“, da francesa Catherine Corsini, “Youth“, do chinês Wang Bing, e “Black Flies“, produção americana dirigida pelo francês Jean-Stéphane Sauvaire, têm pessoas jovens em seu centro.
O melhor de todos, de longe, é Monster. Kore-eda, que nos emocionou em filmes como “Depois da Vida” (1998) e “Ninguém Pode Saber” (2003), é um queridinho do Festival de Cannes, merecidamente. Ele ganhou a Palma de Ouro com “Assunto de Família” (2018) e o Prêmio do Júri com “Tal Pai, Tal Filho” (2013), e seu ator Song Kang-ho levou o prêmio de atuação no ano passado por “Broker“.
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Como já fez no passado, Kore-eda coloca crianças no centro da trama. O pré-adolescente Minato (Soya Kurokawa) começa a se portar de maneira diferente, para desespero de sua mãe, Saori (Sakura Ando). Na escola, ela desconfia de que seu garoto está sendo maltratado pelo professor Hori (Eita Nagayama). Mas ele tem outra versão. Enquanto isso, Yori (Hinata Hiiragi), colega de classe de Minato, pode estar sofrendo bullying. O diretor aqui apresenta uma estrutura diferente, à la “Rashomon“, de Akira Kurosawa, com pontos de vista diferentes de cada personagem, estruturados pelo roteirista Yuji Sakamoto. O que poderia engessar a história e impedir o humanismo de Kore-eda transbordasse tem efeito contrário, adicionando camadas de complexidade à medida que se revela a verdade. Ninguém ali é vilão, todos chegam às suas conclusões de acordo com as informações de que dispunham naquele momento. Para completar o pacote, o filme traz os últimos temas originais do compositor Ryuichi Sakamoto, que morreu em março.
“Le Retour”, ou “Homecoming“, também tem duas adolescentes como protagonistas. Jessica (Suzy Bemba) e Farah (a carismática Esther Gohourou) são duas que acompanham a mãe, Khédidja (a ótima Aissatou Diallo Sagna), à Córsega, onde ela vai trabalhar como babá para uma família francesa rica e progressista. Mas a ilha tem algo de especial para essas três: é o lugar de origem do pai de Jessica e Farah, que morreu quando elas eram bem pequenas, e onde a família morou durante um tempo. O regresso faz com que as memórias sejam reativadas, e segredos, revelados.
Na Córsega, Jessica e Farah vão lidar com o racismo de maneiras diferentes. A primeira subir na vida e, para isso, acredita que precisa se comportar para se integrar. Farah acha que nada disso faz sentido, pois sempre será um alvo. Sua estratégia é enfrentar sem medo. Nessas férias, as duas também vão viver aventuras individuais que têm a ver e não com o seu pai. É uma pena que Corsini tenha optado por um olhar voyeurístico sobre essa juventude. É algo que se percebe claramente no filme, especialmente nas cenas de romances e festas, mas que é reforçado pelas denúncias de abuso verbal e físico no set e de cenas de conteúdo sexual com menores de idade. Em 2023, isso é intolerável.
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Em “Youth“, Wang Bing continua sua exploração corajosa da China. O documentário mostra o trabalho exaustivo a que adolescentes e jovens de 20 e poucos anos vindos de outras províncias fazem em Zhili, um centro de produção têxtil. Lá, eles moram em alojamentos precários em uma região suja e que parece abandonada, trabalhando até 15 horas por dia e tendo de negociar seus salários. Os sonhos são pequenos: casar-se e ter filhos, comprar uma casa, ter uma pequena oficina têxtil. É um retrato interessante da China moderna, mas que acaba se afogando na duração excessiva, de mais de 3 horas, e nas repetições.
Em “Black Flies“, Tye Sheridan é Ollie Cross, um paramédico recém-formado que descobre as dificuldades de sua profissão ao atuar ao lado do veterano Rutkovsky (Sean Penn). O filme abusa de recursos visuais datados, como as imagens cortadas e meio borradas, meio anos 1980 e meio anos 1990. Não dá para entender o que está fazendo na competição.
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Filme de abertura
Jeanne Du Barry, dirigido por Maïwenn, que abriu o Festival de Cannes, fora de competição, não fala de jovens, mas do amor maduro entre o rei Luís 15 (Johnny Depp) e sua amante favorita, a personagem do título, interpretada pela diretora. O filme tem uma produção bem-cuidada, com cenas filmadas no Palácio de Versalhes. Mas para uma produção que pretende atualizar a visão sobre essa mulher, considerada carreirista e escandalosa, faltam personagens femininas, mesmo as antagonistas, mais bem delineadas. Esse privilégio só cabe aos homens da trama.