“A melhor arena para discussão das possibilidades de uso na maconha está na saúde. Manter essa pauta na segurança pública é consolidar um controle social negacionista e amplamente excludente”
Por Mariana Bueno
Embora o uso medicinal da cannabis já esteja regulamentado no Brasil, o cultivo da planta ainda é proibido – com algumas permissões judiciais em casos específicos. Isso impede que milhares de pessoas tenham acesso facilitado aos medicamentos, que possibilitariam a melhora de diversos problemas de saúde.
A importação de produtos à base de cannabis por pessoas físicas ou associações é crescente. Em 2015 foram 850 registros. E em 2020, apenas cinco anos depois, o número chegou a 15.862 – o que representa um crescimento de quase 1800%.
O maior crescimento aconteceu durante a pandemia da Covid-19, situação que intensificou a busca por terapias que ajudassem no combate à depressão e à ansiedade, dois problemas agravados pela obrigatoriedade do confinamento. Mas, apesar do aumento expressivo, ainda são produtos considerados pouco acessíveis.
E a demora na aprovação de uma lei que permita o cultivo, além de prejudicar os pacientes, faz também com que o Brasil fique dependente das grandes empresas e laboratórios, já que em outros países há muitas que estão patenteando medicamentos feitos a partir de componentes da cannabis.
“Com a regulamentação, vai diminuir o custo não apenas para os pacientes, mas também para o estado”, afirma o empresário e ativista Pedro Sabaciauskis, presidente da Santa Cannabis – Associação Brasileira de Cannabis Medicinal. Segundo ele, hoje há um gasto de cerca de R$ 50 milhões para o SUS através de processos jurídicos impetrados. E esse custo pode chegar a R$ 3,8 bilhões se o plantio não for nacional. Mas, se os medicamentos forem produzidos nacionalmente, o custo vai ser apenas de R$ 0,77 bilhões. “Vai ter remédio barato de fácil acesso a todos. As associações que começaram esse trabalho são hoje patrimônio social do Brasil e devem ser respeitadas”, diz.
Para levar em frente as pautas sobre a maconha, muitos países têm considerado as diferentes propriedades da cannabis, distinguindo o uso como insumo farmacêutico e industrial do uso como entorpecente. É uma forma encontrada para fugir do dilema que acaba atrapalhando novos passos no sentido da regulamentação da cannabis medicinal.
O ativista da Santa Cannabis concorda. “Precisamos, primeiro, resolver o problema de saúde, o uso medicinal. É claro que o uso recreativo tem de ser discutido, porque tem uma guerra às drogas que não funciona. Mas isso tem de ser em um segundo momento. Agora a gente precisa garantir que os pacientes tenham acesso fácil e de baixo custo. Esse debate tem de ser separado. Se trata até de uma questão de soberania nacional, produzir o próprio medicamento sem depender de um fornecimento internacional. Regulamentar plantio e distribuição, vai gerar emprego e renda, fornecendo saúde para o paciente brasileiro, gerando pesquisa brasileira”, afirma.
O sociólogo Arthur Snninhofer também pontua que é possível – e necessário – estabelecer parâmetros para a vertente medicinal sem que seja necessário encarar, por enquanto, o debate sobre o uso recreativo. “A discussão sobre a pesquisa por melhores medicamentos para tratamentos não pode ser em momento algum atrelada ao uso recreativo de cannabis por um adulto saudável no trânsito ou na saída do trabalho. A melhor arena para discussão das possibilidades de uso na maconha está na saúde. Manter essa pauta na segurança pública é consolidar um controle social negacionista e amplamente excludente”, finaliza.