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Organização dos afetos femininos move o delicado “A Primeira Morte de Joana”

Vencedor de 11 prêmios nos mais de 40 festivais pelos quais passou, “A Primeira Morte de Joana”, de Cristiane Oliveira, estreia nos cinemas nesta quinta (4)

Por Reinaldo Glioche

Um funeral abre o novo longa-metragem de Cristiane Oliveira, do ótimo “A Mulher do Pai”, mas este ponto de partida é um estímulo à vida e à inquietude da protagonista, uma adolescente de 13 anos defendida com robustez e energia pela estreante Letícia Kacperski. A morte da tia-avó Rosa é a primeira experiência com o luto da menina e vai jogá-la em um processo de investigação inusitado do porquê aquela mulher nunca teve um namorado.

“A Primeira Morte de Joana” é, portanto, um filme sobre amadurecimento (coming of age), sobre a perda da inocência, sobre o luto – “a gente não sabe como é a Joana fora do luto. A gente só observa ela nesse período”, lembra a bem articulada Letícia Kacpersk, muito consciente das perspectivas possíveis. É, também, um filme sobre a árdua tarefa de se organizar afetos, de navegar por eles.

“No meu primeiro filme, temos um pai e uma filha que se descobrem sozinhos e precisam construir o afeto, aqui o afeto é natural, é uma força da natureza e você precisa aprender a transformar isso em ação”, teoriza Oliveira sobre um dos muitos pontos de intersecção entre as duas obras.

A força do subtexto

Embora não seja uma primazia no longa, a sexualidade – a da tia Rosa, a da avó Norma, da mãe Lara, da amiga Carolina e da própria Joana oxigenam a trama e impulsionam e retraem essas personagens. Não à toa, durante o papo com Culturize-se as atrizes Letícia Kacpersk, Isabela Bressane – que vive Carolina – e Joana Vieira, que interpreta a mãe de Joana, Lara confabulam sobre coragem e covardia, duas ideias que surgem em diferentes momentos no filme confrontando essas personagens a se assumirem, assumirem seus afetos e anseios.

A delicadeza com que Oliveira trabalha tudo isso fica ainda mais cativante quando se toma ciência do processo. O naturalismo que se vê na tela não é acidental. Ele foi perseguido sistemática e metodicamente. O texto surgiu de “um compartilhamento de memórias” com Silvia Lourenço, que co-assina o roteiro e Letícia e Isabela contam que havia uma preocupação ainda na fase de testes com o que elas gostavam e desgostavam de fazer. Os ensaios eram grandes laboratórios de intimidade e muitos diálogos eram reescritos com as palavras das jovens atrizes. “A Cris sempre foi muito aberta com a gente e essa receptividade foi muito importante, até por ser meu primeiro projeto. Tanto para a criação da Joana como para mim como profissional”, recorda Letícia.

Se Joana está em uma investigação, sobre a tia Rosa, uma possível solidão, mas também sobre si, Carolina surge como uma âncora afetiva valiosa. “A Carolina já tinha passado por esse processo (de entender e assumir afetos) e ao longo do filme ela vai instruindo a Joana a como chegar lá”, observa Isabela. “Ela tem uma introspecção, que eu me identifico até, reflete muito sobre o que está sentindo”.

Entre tensões e silêncios

Ambientação no Rio Grande do Sul, tensões sexuais, por mais amenas que transpareçam e o despertar de jovens mulheres estão no cerne do cinema de Cristiane Oliveira e não é diferente com “A Primeira Morte de Joana”, uma alegoria do embate entre progresso e ultrapassado, com três gerações de mulheres com vivências diferentes expressando receios distintos. Os homens estão sempre de passagem aqui e a religião desponta como uma conexão possível entre tantas já perdidas.

Trata-se de um cinema de sensações, mas também de tato, de um registro minimalista que oferta a audiência não como pensar, mas por que fazê-lo. “A Primeira Morte de Joana” é, portanto, uma sutil lembrança da eficiência do cinema enquanto linguagem, mas também como mola propulsora de debates.

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